(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
Uma das críticas ao debate sobre a identidade do Brasil é o chamado "mito das três raças". Ao identificar a ideia de que o Brasil resulta da união de negros, brancos e índios, e classificar essa leitura como um mito (em outras palavras, uma construção não-racional destinada a produzir identificação e subserviência a uma origem e a uma ordem que dela decorre) a crítica se estabelece.
D.R. é ambíguo nesse aspecto, pois, se por um lado usa essa estrutura explicativa, por outro vai além da versão mais conservadora que vê no português uma matriz predominante e decisiva, à qual somam-se alguns penduricalhos culturais secundários de negros e índios. Compreende que todos se modificam, e portanto a herança portuguesa não é mais herança portuguesa, porque se transformou radicalmente com a força da cultura viva de negros e índios, heterogêneos e diversos entre si, que também se alteram radicalmente. Não se trata de alguma coisa que se agregou como acessório, mas algo que está em tudo o que se faz aqui.
Outros mundos possíveis. Blog de opinião e divulgação científica, desde meu microcosmo, a UEPG, às questões de interesse geral, de um ponto de vista interessado no ensino de História, Educação em geral, consciência histórica, cultura política e transformação social.
PRODUÇÃO CIENTÍFICA
terça-feira, 26 de maio de 2009
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro - Porque o Brasil ainda não deu certo?
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
Conversamos que pode ser que a questão que motiva essa grande síntese de D.R. (por que o Brasil ainda não deu certo) não se coloque desse modo. Não "dar certo" pode ter significado a única alternativa de sobrevivência coletiva diante das condições impostas para colonizadores e colonizados. Mas se aceitamos que ainda falta o Brasil realizar suas potencialidades, a resposta é bem parecida com aquela que Sérgio B. de Holanda (em Raízes do Brasil) aponta, ou seja, o Brasil nunca existiu em função de seu povo; pelo contrário, existiu para "gastar gente" fazendo girar o mecanismo que alimentou o mercado mundial e enriqueceu as elites locais, culturalmente voltadas para a Europa e de costas para seu povo. D.R. indica que as grandes cidades coloniais e imperiais, os grandes intelectuais e artistas brasileiros de nada valeram, em comparação com os Estados Unidos (a "América"), para que o Brasil "desse certo" afinal no século XX, porque nada disso era expressão do povo ou voltado a beneficiá-lo e engrandecê-lo.
Por outro lado, o povo precisa negar sua "ninguemdade", assumir-se e valorizar-se. Mas ainda não há em D.R. a mesma perspectiva que há em S.B.H. de que nos realizamos quando esse povo tomar o poder, independentemente das classes médias e da intelectualidade. Penso que D.R. vê a oposição entre povo e não-povo, colocando-se no primeiro polo, enquanto podemos entender que intelectualidade e a classe média não têm expressão em si, sendo pendentes para apoiar ou o povo, ou as elites. Como o usual é apoiar - e querer ser como - a elite, a perspectiva é que o povo tem que fazer-se, sem precisar ou mesmo apesar da classe média e dos intectuais. Essa seria a perspectiva nascida nos anos 70, nas Comunidades Eclesiais de Base, no Novo Sindicalismo e na esquerda comunista não-ortodoxa, por sinal as três bases do surgimento do PT (do qual Sérgio B. de Holanda e Paulo Freire foram fundadores).
Conversamos que pode ser que a questão que motiva essa grande síntese de D.R. (por que o Brasil ainda não deu certo) não se coloque desse modo. Não "dar certo" pode ter significado a única alternativa de sobrevivência coletiva diante das condições impostas para colonizadores e colonizados. Mas se aceitamos que ainda falta o Brasil realizar suas potencialidades, a resposta é bem parecida com aquela que Sérgio B. de Holanda (em Raízes do Brasil) aponta, ou seja, o Brasil nunca existiu em função de seu povo; pelo contrário, existiu para "gastar gente" fazendo girar o mecanismo que alimentou o mercado mundial e enriqueceu as elites locais, culturalmente voltadas para a Europa e de costas para seu povo. D.R. indica que as grandes cidades coloniais e imperiais, os grandes intelectuais e artistas brasileiros de nada valeram, em comparação com os Estados Unidos (a "América"), para que o Brasil "desse certo" afinal no século XX, porque nada disso era expressão do povo ou voltado a beneficiá-lo e engrandecê-lo.
Por outro lado, o povo precisa negar sua "ninguemdade", assumir-se e valorizar-se. Mas ainda não há em D.R. a mesma perspectiva que há em S.B.H. de que nos realizamos quando esse povo tomar o poder, independentemente das classes médias e da intelectualidade. Penso que D.R. vê a oposição entre povo e não-povo, colocando-se no primeiro polo, enquanto podemos entender que intelectualidade e a classe média não têm expressão em si, sendo pendentes para apoiar ou o povo, ou as elites. Como o usual é apoiar - e querer ser como - a elite, a perspectiva é que o povo tem que fazer-se, sem precisar ou mesmo apesar da classe média e dos intectuais. Essa seria a perspectiva nascida nos anos 70, nas Comunidades Eclesiais de Base, no Novo Sindicalismo e na esquerda comunista não-ortodoxa, por sinal as três bases do surgimento do PT (do qual Sérgio B. de Holanda e Paulo Freire foram fundadores).
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro - o Brasil pré-existente a Cabral
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
D.R. dedica um dos primeiros capítulos da obra à "Ilha Brasil", idéia de que o país antecede a sua descoberta pelos portugueses e sua invenção pelos brasileiros depois da independência. Indica para isso razões geográficas e humanas, indicando os tupis como responsáveis pelo rascunho geográfico do país. Duas coisas decorrem disso:
a) Sua visão do Brasil acaba fortemente condicionada pela sua percepção patriótica. Para o nacionalismo, quanto mais antiga puder ser a nação imaginada, mais legitimidade terá o apelo nacional sobre as pessoas. O problema é que, do ponto de vista da Antropologia de meados do século XX para a frente, falar em Brasil antes de 1500 - eu acho que antes de 1822 - é uma forma de anacronismo e de etnocídio, pois reduz a experiência indígena pré-cabralina ao "destino" que a abarcou com a chegada dos portugueses, ou seja, reduz o índio à civilização dos brancos.
b) A visão de nação de nação que D.R. está praticando é mais culturalista que política, a nação parece decorrer muito mais da terra e do sangue do que das escolhas conscientes e voluntárias dos seus cidadãos. Assim, a nação se impõe e limita as opções do sujeito, e o nacionalismo pode ser usado como arma de manipulação de massas ou como recurso de limitar o pensamento e as opções. É interessante pensar que outro sujeito que partilha essa idéia de um Brasil telúrico, pré-existente, esperando para acontecer, é Golbery do Couto e Silva, ideólogo principal do regime militar, que derrotou a tendência política e a geração de D.R.
D.R. dedica um dos primeiros capítulos da obra à "Ilha Brasil", idéia de que o país antecede a sua descoberta pelos portugueses e sua invenção pelos brasileiros depois da independência. Indica para isso razões geográficas e humanas, indicando os tupis como responsáveis pelo rascunho geográfico do país. Duas coisas decorrem disso:
a) Sua visão do Brasil acaba fortemente condicionada pela sua percepção patriótica. Para o nacionalismo, quanto mais antiga puder ser a nação imaginada, mais legitimidade terá o apelo nacional sobre as pessoas. O problema é que, do ponto de vista da Antropologia de meados do século XX para a frente, falar em Brasil antes de 1500 - eu acho que antes de 1822 - é uma forma de anacronismo e de etnocídio, pois reduz a experiência indígena pré-cabralina ao "destino" que a abarcou com a chegada dos portugueses, ou seja, reduz o índio à civilização dos brancos.
b) A visão de nação de nação que D.R. está praticando é mais culturalista que política, a nação parece decorrer muito mais da terra e do sangue do que das escolhas conscientes e voluntárias dos seus cidadãos. Assim, a nação se impõe e limita as opções do sujeito, e o nacionalismo pode ser usado como arma de manipulação de massas ou como recurso de limitar o pensamento e as opções. É interessante pensar que outro sujeito que partilha essa idéia de um Brasil telúrico, pré-existente, esperando para acontecer, é Golbery do Couto e Silva, ideólogo principal do regime militar, que derrotou a tendência política e a geração de D.R.
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro - o Brasil e o futuro
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
O primeiro elemento que me chama a atenção é a idéia de D.R. de que o brasileiro é aberto ao futuro:
" É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos. Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se
apegam a nenhum passado. Estamos abertos é para o futuro. " (p. 419 - edição de bolso da Companhia das Letras, 2006)
Essa idéia parece compatível com o relativo apreço que temos pelo novo (até no nome dos regimes políticos) e a pouca importância que damos ao patrimônio histórico, inclusive imaterial. O politólogo Alain Rouquié aponta essa mesma percepção:
"-Brasil es todo lo contrario de la Argentina. En la Argentina la gente se acuerda de todo. Es el país de la memoria. La Argentina es el país de "Funes el memorioso". Por el contrario, Brasil es el país de la antimemoria. El país del olvido. Brasil se olvidó de la dictadura. Es verdad que esa dictadura no fue feroz. Las cosas en Brasil se fueron modificando en forma paulatina y serena. El Perón brasileño, Getulio Vargas, ya es parte de la historia. Nadie se declara hoy "getulista", a pesar de que Vargas (1937-1945) hizo prácticamente lo mismo que Perón en lo bueno y en lo malo. En Brasil la historia continúa. Esa es la gran diferencia. La diferencia radica en la actitud que se tiene frente a la historia. Esa es la característica argentina: la historia nunca es definitiva. Su revisión ocupa el centro de la vida intelectual. Un revisionista encuentra siempre otro revisionista que dice "no estoy de acuerdo con eso". (Entrevista ao jornal "La Nación" de 26/10/2008)
Cabe-nos decidir se isso é um problema ou uma vantagem. Acho que para os argentinos, sua característica de ligação com o passado é em grande parte uma desvantagem, embora nos ofereça um patrimônio histórico belíssimo preservado, e não necessariamente pela ação do poder público, mas pela ação do povo mesmo, ao não destruir os edifícios já feitos por vandalismo ou por busca de lucro.
O primeiro elemento que me chama a atenção é a idéia de D.R. de que o brasileiro é aberto ao futuro:
" É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos. Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se
apegam a nenhum passado. Estamos abertos é para o futuro. " (p. 419 - edição de bolso da Companhia das Letras, 2006)
Essa idéia parece compatível com o relativo apreço que temos pelo novo (até no nome dos regimes políticos) e a pouca importância que damos ao patrimônio histórico, inclusive imaterial. O politólogo Alain Rouquié aponta essa mesma percepção:
"-Brasil es todo lo contrario de la Argentina. En la Argentina la gente se acuerda de todo. Es el país de la memoria. La Argentina es el país de "Funes el memorioso". Por el contrario, Brasil es el país de la antimemoria. El país del olvido. Brasil se olvidó de la dictadura. Es verdad que esa dictadura no fue feroz. Las cosas en Brasil se fueron modificando en forma paulatina y serena. El Perón brasileño, Getulio Vargas, ya es parte de la historia. Nadie se declara hoy "getulista", a pesar de que Vargas (1937-1945) hizo prácticamente lo mismo que Perón en lo bueno y en lo malo. En Brasil la historia continúa. Esa es la gran diferencia. La diferencia radica en la actitud que se tiene frente a la historia. Esa es la característica argentina: la historia nunca es definitiva. Su revisión ocupa el centro de la vida intelectual. Un revisionista encuentra siempre otro revisionista que dice "no estoy de acuerdo con eso". (Entrevista ao jornal "La Nación" de 26/10/2008)
Cabe-nos decidir se isso é um problema ou uma vantagem. Acho que para os argentinos, sua característica de ligação com o passado é em grande parte uma desvantagem, embora nos ofereça um patrimônio histórico belíssimo preservado, e não necessariamente pela ação do poder público, mas pela ação do povo mesmo, ao não destruir os edifícios já feitos por vandalismo ou por busca de lucro.
sábado, 23 de maio de 2009
A didática na reflexão histórica
Klaus Bergmann teve um texto traduzido em 1992 na Revista Brasileira de História intitulado "A história na reflexão didática". É um texto seminal, pois podemos dizer que ele foi um dos responsáveis por introduzir a ideia de consciência histórica na discussão historiográfica e do ensino de História de hoje em dia.
Avalio que estamos no momento de produzir um novo texto, que pode ter o título de "A didática na reflexão histórica", esclarecendo aos colegas historiadores stricto sensu as várias oportunidades em que a reflexão teórica e metodológica sobre seus conteúdos de trabalho cotidiano significam também uma reflexão sobre o papel educacional das ideias históricas. Com isso, a formação de professores de história vai se beneficiar com parte da tão propalada integração entre a pesquisa e o ensino e entre a teoria e a prática.
Exemplos?
- Pré-história: o uso eurocêntrico e colonialista do conceito. A possibilidade de trabalhar a ideia de relativismo cultural ao ensinar esse período. A importância desse momento privilegiado na relação entre homem e natureza, e o surgimento da cultura.
- Antiguidade: interessa, para a atualidade, o estudo de civilizações desaparecidas? Até que ponto essas sociedades deixam marcas ainda visíveis e importantes hoje? Quando e por que começou o interesse contemporâneo pelas civilizações antigas? Conhecer outras formas de vida em sociedade pode ser encarado como uma oportunidade fundamental para acumular conhecimentos que permitem questionar e avaliar nossa própria forma de vida em sociedade. E por último, mas não menos importante, o significado da erudição - geralmente associada a conhecimentos que não tem uso prático - para a composição do patrimônio cultural e para o refinamento do gosto.
Avalio que estamos no momento de produzir um novo texto, que pode ter o título de "A didática na reflexão histórica", esclarecendo aos colegas historiadores stricto sensu as várias oportunidades em que a reflexão teórica e metodológica sobre seus conteúdos de trabalho cotidiano significam também uma reflexão sobre o papel educacional das ideias históricas. Com isso, a formação de professores de história vai se beneficiar com parte da tão propalada integração entre a pesquisa e o ensino e entre a teoria e a prática.
Exemplos?
- Pré-história: o uso eurocêntrico e colonialista do conceito. A possibilidade de trabalhar a ideia de relativismo cultural ao ensinar esse período. A importância desse momento privilegiado na relação entre homem e natureza, e o surgimento da cultura.
- Antiguidade: interessa, para a atualidade, o estudo de civilizações desaparecidas? Até que ponto essas sociedades deixam marcas ainda visíveis e importantes hoje? Quando e por que começou o interesse contemporâneo pelas civilizações antigas? Conhecer outras formas de vida em sociedade pode ser encarado como uma oportunidade fundamental para acumular conhecimentos que permitem questionar e avaliar nossa própria forma de vida em sociedade. E por último, mas não menos importante, o significado da erudição - geralmente associada a conhecimentos que não tem uso prático - para a composição do patrimônio cultural e para o refinamento do gosto.
sexta-feira, 8 de maio de 2009
Entrevista para o Jornal da Manhã sobre cotas na UEPG
Nessa sexta forneci ao Alexandre, jornalista do JM, a entrevista abaixo. Certamente ela não vai ser publicada na íntegra, por uma questão de espaço, a matéria não se resume a essa entrevista, mas posto ela abaixo para aproveitar o trabalho.
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O sistema de cotas da UEPG foi aprovado para os vestibulares de 2006, então a primeira turma com alunos cotistas começou em 2007, e esses alunos tiveram seu desempenho acadêmico avaliado rigorosamente por uma comissão criada pela universidade, que eu presidi até o final do ano passado.
As cotas significam, basicamente, a criação de vestibulares paralelos. Embora todos façam a mesma prova, cada aluno compete apenas com os alunos de sua própria cota: alunos de escola pública, alunos negros de escola pública e alunos que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. A idéia é garantir que alunos que tenham um desempenho bastante parecido - mas levemente abaixo das notas dos que efetivamente assumiam as vagas - possam também entrar na universidade. Isso porque verificava-se que alunos de escola pública tinham um desempenho muito pouco inferior ao dos alunos de escola particular, mas acabavam ficando totalmente de fora das vagas dos cursos mais concorridos.
Como são três vestibulares concomitantes, é preciso definir quantas serão as vagas para cada uma das cotas. O sistema da UEPG é inovador e escapa de algumas armadilhas de sistemas de cotas de outras universidades. A definição das cotas não é prévia, mas definida conforme a porcentagem de candidatos que se inscrevem em cada uma das cotas. Por exemplo, se 20% dos inscritos para o vestibular de um determinado curso optarem pela cota de negros, a cota de negros será de 20%, mas se forem 10%, a cota será de 10%. Mas há um porém: nós temos pisos, quer dizer, há uma porcentagem mínima de vagas para a cota de escolas públicas e a cota de negros, que vai aumentando ao longo dos anos. O objetivo era garantir que se abrisse um pequeno espaço para esses alunos naqueles cursos muito concorridos, e assim estimular que essa categoria de candidatos se apresentasse cada vez mais para os vestibulares seguintes.
Aconteceram várias mudanças nas regras desse processo desde o primeiro vestibular por cotas, e creio que até agora, quase todas atenuaram ou prejudicaram o sistema. Por exemplo, a exigência para alguém ser aceito como cotista de escola pública era de todo o ensino médio e mais dois anos do ensino fundamental cursados em escola pública, e a exigência caiu para apenas o ensino médio cursado em escola pública. Mas o principal problema foi a introdução de uma nota de corte, ou seja, uma pontuação mínima no vestibular, que corresponde à média de todas as pontuações de todas as cotas. Ora, o princípio das cotas é que todos concorrem com os candidatos de sua própria cota, tornando a competição mais justa, e não que todos concorram contra todos. A nota de corte fez com que muitos candidatos de escola pública e negros fossem eliminados da competição em cursos altamente concorridos, e o número de cotistas negros, por exemplo, caiu pela metade entre 2007 e 2008, e isso se confirmou para as matrículas em 2009. É como se a UEPG tivesse dado um passo à frente, e depois outro passo atrás. Ou seja, aqueles candidatos negros entrariam mesmo se não houvesse cotas, então a cota, principalmente para negros, ficou inútil, inócua. Não sou contra a idéia de um patamar mínimo, só acho interessante que a idéia tenha ressurgido só quando começamos a fazer políticas para incluir mais e melhor os mais pobres e os negros! Se devemos pensar em nota de corte para evitar que alunos com pontuações próximas de zero acabem ingressando em quadros de pouca concorrência, devemos pensar em definir essa nota média dentro de cada uma das cotas, sob pena de anular a política de cotas mesmo ela continuando a existir formalmente. Eu confio que os conselhos da UEPG reverterão isso, porque não se pode aceitar que seja desenvolvida uma política que não gera os resultados para os quais ela foi criada.
Em termos de uma avaliação geral, só posso falar sobre o ano de 2007, que foi quanto entraram os alunos da forma como a política foi inicialmente concebida, e foi o ano que analisamos com estudos quantitativos e qualitativos na Comissão de Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG. Nesse ano, podemos dizer que a política foi um sucesso. O vestibular garantiu que em torno de 15% a mais de alunos cotistas entrassem na UEPG, ou seja, sem a política de cotas eles não teriam entrado. A outra grata surpresa foi quando descobrimos que os cotistas, ao invés de baixarem a média do desempenho acadêmico de seus cursos (o que se poderia pensar pela nota menor que tiveram no vestibular), elevaram a média geral. A média geral das notas dos alunos cotistas de escola pública foi maior que a média dos alunos da cota universal. A média das notas dos cotistas negros, entretanto, foi mais baixa que as duas, mas quando começamos a estudar isso, vimos que a evasão entre esses alunos foi de aproximadamente 25%, o que é muito, comparado com a taxa de evasão nas outras cotas, que fica em torno de 10%. Não podemos dizer quais os motivos dessa evasão, mas desconfiamos de graves motivos de ordem econômica, principalmente. Por outro lado, quando tiramos os desistentes da conta do desempenho médio da cota de negros, descobrimos que esses alunos tiveram a média mais alta em 11 dos 28 cursos em que houve cotistas negros, incluindo Odontologia, Administração e História Licenciatura, por exemplo.
O que a gente conclui? Que o vestibular não avalia tão bem assim os alunos, que ele não capta bem as capacidades intelectuais que serão fundamentais ao longo do curso universitário. O vestibular, especificamente da UEPG, tem um problema muito grave de projeto pedagógico. Talvez porque ele não tenha um projeto pedagógico, mas apenas uma razão técnica, selecionar os que respondem melhor às questões. Mas que questões são essas, qual é a qualidade delas do ponto de vista do desenvolvimento do raciocínio e da criatividade? A sociedade não sabe que não são os departamentos que preparam o vestibular, e vários colegas o criticam, por exemplo os professores do curso de Letras, que no evento CIEL fizeram vários questionamentos à prova de redação, de língua e de literatura. Rediscutir o vestibular de forma ampla e sincera, colocando-o a serviço dos cursos, efetivamente, em vez do contrário, seria um bom começo. Talvez chegássemos à conclusão de que vale a pena abolir o nosso vestibular e aderir à proposta do MEC para usar o ENEM como prova de admissão. Eu, particularmente, acho que isso seria um grande avanço.
Eu concordo plenamente com o José Luiz Teixeira, e digo que essa opinião já foi comunicada verbalmente ao vice-reitor, prof. Luciano Vargas. O aluno que se inscreve por cota de negros faz o vestibular, é aprovado e aí é que vai ser verificado se ele tem aparência de negro mesmo ou não. Se não é verificado isso, ele perde a vaga. Nem sempre tem outra pessoa da cota para substituí-lo, o que diminui a capacidade da política de cotas de incluir mais alunos negros. E muitas vezes esse aluno passaria na cota de escola pública, isso causa muito sofrimento pessoal, e afeta quem participa da comissão, que não é indiferente, mas tem que seguir a resolução. O que pedimos é que a UEPG encontre um meio de aproveitar esse aluno, deslocando-o para a cota de escola pública.
O outro ponto que você pergunta refere-se à nota de corte, que já abordei acima, então o sr. José Luiz Teixeira está certíssimo, espero que o pedido do movimento negro da cidade seja acolhido pelos conselhos superiores da UEPG.
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O sistema de cotas da UEPG foi aprovado para os vestibulares de 2006, então a primeira turma com alunos cotistas começou em 2007, e esses alunos tiveram seu desempenho acadêmico avaliado rigorosamente por uma comissão criada pela universidade, que eu presidi até o final do ano passado.
As cotas significam, basicamente, a criação de vestibulares paralelos. Embora todos façam a mesma prova, cada aluno compete apenas com os alunos de sua própria cota: alunos de escola pública, alunos negros de escola pública e alunos que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. A idéia é garantir que alunos que tenham um desempenho bastante parecido - mas levemente abaixo das notas dos que efetivamente assumiam as vagas - possam também entrar na universidade. Isso porque verificava-se que alunos de escola pública tinham um desempenho muito pouco inferior ao dos alunos de escola particular, mas acabavam ficando totalmente de fora das vagas dos cursos mais concorridos.
Como são três vestibulares concomitantes, é preciso definir quantas serão as vagas para cada uma das cotas. O sistema da UEPG é inovador e escapa de algumas armadilhas de sistemas de cotas de outras universidades. A definição das cotas não é prévia, mas definida conforme a porcentagem de candidatos que se inscrevem em cada uma das cotas. Por exemplo, se 20% dos inscritos para o vestibular de um determinado curso optarem pela cota de negros, a cota de negros será de 20%, mas se forem 10%, a cota será de 10%. Mas há um porém: nós temos pisos, quer dizer, há uma porcentagem mínima de vagas para a cota de escolas públicas e a cota de negros, que vai aumentando ao longo dos anos. O objetivo era garantir que se abrisse um pequeno espaço para esses alunos naqueles cursos muito concorridos, e assim estimular que essa categoria de candidatos se apresentasse cada vez mais para os vestibulares seguintes.
Aconteceram várias mudanças nas regras desse processo desde o primeiro vestibular por cotas, e creio que até agora, quase todas atenuaram ou prejudicaram o sistema. Por exemplo, a exigência para alguém ser aceito como cotista de escola pública era de todo o ensino médio e mais dois anos do ensino fundamental cursados em escola pública, e a exigência caiu para apenas o ensino médio cursado em escola pública. Mas o principal problema foi a introdução de uma nota de corte, ou seja, uma pontuação mínima no vestibular, que corresponde à média de todas as pontuações de todas as cotas. Ora, o princípio das cotas é que todos concorrem com os candidatos de sua própria cota, tornando a competição mais justa, e não que todos concorram contra todos. A nota de corte fez com que muitos candidatos de escola pública e negros fossem eliminados da competição em cursos altamente concorridos, e o número de cotistas negros, por exemplo, caiu pela metade entre 2007 e 2008, e isso se confirmou para as matrículas em 2009. É como se a UEPG tivesse dado um passo à frente, e depois outro passo atrás. Ou seja, aqueles candidatos negros entrariam mesmo se não houvesse cotas, então a cota, principalmente para negros, ficou inútil, inócua. Não sou contra a idéia de um patamar mínimo, só acho interessante que a idéia tenha ressurgido só quando começamos a fazer políticas para incluir mais e melhor os mais pobres e os negros! Se devemos pensar em nota de corte para evitar que alunos com pontuações próximas de zero acabem ingressando em quadros de pouca concorrência, devemos pensar em definir essa nota média dentro de cada uma das cotas, sob pena de anular a política de cotas mesmo ela continuando a existir formalmente. Eu confio que os conselhos da UEPG reverterão isso, porque não se pode aceitar que seja desenvolvida uma política que não gera os resultados para os quais ela foi criada.
Em termos de uma avaliação geral, só posso falar sobre o ano de 2007, que foi quanto entraram os alunos da forma como a política foi inicialmente concebida, e foi o ano que analisamos com estudos quantitativos e qualitativos na Comissão de Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG. Nesse ano, podemos dizer que a política foi um sucesso. O vestibular garantiu que em torno de 15% a mais de alunos cotistas entrassem na UEPG, ou seja, sem a política de cotas eles não teriam entrado. A outra grata surpresa foi quando descobrimos que os cotistas, ao invés de baixarem a média do desempenho acadêmico de seus cursos (o que se poderia pensar pela nota menor que tiveram no vestibular), elevaram a média geral. A média geral das notas dos alunos cotistas de escola pública foi maior que a média dos alunos da cota universal. A média das notas dos cotistas negros, entretanto, foi mais baixa que as duas, mas quando começamos a estudar isso, vimos que a evasão entre esses alunos foi de aproximadamente 25%, o que é muito, comparado com a taxa de evasão nas outras cotas, que fica em torno de 10%. Não podemos dizer quais os motivos dessa evasão, mas desconfiamos de graves motivos de ordem econômica, principalmente. Por outro lado, quando tiramos os desistentes da conta do desempenho médio da cota de negros, descobrimos que esses alunos tiveram a média mais alta em 11 dos 28 cursos em que houve cotistas negros, incluindo Odontologia, Administração e História Licenciatura, por exemplo.
O que a gente conclui? Que o vestibular não avalia tão bem assim os alunos, que ele não capta bem as capacidades intelectuais que serão fundamentais ao longo do curso universitário. O vestibular, especificamente da UEPG, tem um problema muito grave de projeto pedagógico. Talvez porque ele não tenha um projeto pedagógico, mas apenas uma razão técnica, selecionar os que respondem melhor às questões. Mas que questões são essas, qual é a qualidade delas do ponto de vista do desenvolvimento do raciocínio e da criatividade? A sociedade não sabe que não são os departamentos que preparam o vestibular, e vários colegas o criticam, por exemplo os professores do curso de Letras, que no evento CIEL fizeram vários questionamentos à prova de redação, de língua e de literatura. Rediscutir o vestibular de forma ampla e sincera, colocando-o a serviço dos cursos, efetivamente, em vez do contrário, seria um bom começo. Talvez chegássemos à conclusão de que vale a pena abolir o nosso vestibular e aderir à proposta do MEC para usar o ENEM como prova de admissão. Eu, particularmente, acho que isso seria um grande avanço.
Eu concordo plenamente com o José Luiz Teixeira, e digo que essa opinião já foi comunicada verbalmente ao vice-reitor, prof. Luciano Vargas. O aluno que se inscreve por cota de negros faz o vestibular, é aprovado e aí é que vai ser verificado se ele tem aparência de negro mesmo ou não. Se não é verificado isso, ele perde a vaga. Nem sempre tem outra pessoa da cota para substituí-lo, o que diminui a capacidade da política de cotas de incluir mais alunos negros. E muitas vezes esse aluno passaria na cota de escola pública, isso causa muito sofrimento pessoal, e afeta quem participa da comissão, que não é indiferente, mas tem que seguir a resolução. O que pedimos é que a UEPG encontre um meio de aproveitar esse aluno, deslocando-o para a cota de escola pública.
O outro ponto que você pergunta refere-se à nota de corte, que já abordei acima, então o sr. José Luiz Teixeira está certíssimo, espero que o pedido do movimento negro da cidade seja acolhido pelos conselhos superiores da UEPG.
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