sexta-feira, 8 de maio de 2009

Entrevista para o Jornal da Manhã sobre cotas na UEPG

Nessa sexta forneci ao Alexandre, jornalista do JM, a entrevista abaixo. Certamente ela não vai ser publicada na íntegra, por uma questão de espaço, a matéria não se resume a essa entrevista, mas posto ela abaixo para aproveitar o trabalho.

-------

O sistema de cotas da UEPG foi aprovado para os vestibulares de 2006, então a primeira turma com alunos cotistas começou em 2007, e esses alunos tiveram seu desempenho acadêmico avaliado rigorosamente por uma comissão criada pela universidade, que eu presidi até o final do ano passado.

As cotas significam, basicamente, a criação de vestibulares paralelos. Embora todos façam a mesma prova, cada aluno compete apenas com os alunos de sua própria cota: alunos de escola pública, alunos negros de escola pública e alunos que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. A idéia é garantir que alunos que tenham um desempenho bastante parecido - mas levemente abaixo das notas dos que efetivamente assumiam as vagas - possam também entrar na universidade. Isso porque verificava-se que alunos de escola pública tinham um desempenho muito pouco inferior ao dos alunos de escola particular, mas acabavam ficando totalmente de fora das vagas dos cursos mais concorridos.

Como são três vestibulares concomitantes, é preciso definir quantas serão as vagas para cada uma das cotas. O sistema da UEPG é inovador e escapa de algumas armadilhas de sistemas de cotas de outras universidades. A definição das cotas não é prévia, mas definida conforme a porcentagem de candidatos que se inscrevem em cada uma das cotas. Por exemplo, se 20% dos inscritos para o vestibular de um determinado curso optarem pela cota de negros, a cota de negros será de 20%, mas se forem 10%, a cota será de 10%. Mas há um porém: nós temos pisos, quer dizer, há uma porcentagem mínima de vagas para a cota de escolas públicas e a cota de negros, que vai aumentando ao longo dos anos. O objetivo era garantir que se abrisse um pequeno espaço para esses alunos naqueles cursos muito concorridos, e assim estimular que essa categoria de candidatos se apresentasse cada vez mais para os vestibulares seguintes.

Aconteceram várias mudanças nas regras desse processo desde o primeiro vestibular por cotas, e creio que até agora, quase todas atenuaram ou prejudicaram o sistema. Por exemplo, a exigência para alguém ser aceito como cotista de escola pública era de todo o ensino médio e mais dois anos do ensino fundamental cursados em escola pública, e a exigência caiu para apenas o ensino médio cursado em escola pública. Mas o principal problema foi a introdução de uma nota de corte, ou seja, uma pontuação mínima no vestibular, que corresponde à média de todas as pontuações de todas as cotas. Ora, o princípio das cotas é que todos concorrem com os candidatos de sua própria cota, tornando a competição mais justa, e não que todos concorram contra todos. A nota de corte fez com que muitos candidatos de escola pública e negros fossem eliminados da competição em cursos altamente concorridos, e o número de cotistas negros, por exemplo, caiu pela metade entre 2007 e 2008, e isso se confirmou para as matrículas em 2009. É como se a UEPG tivesse dado um passo à frente, e depois outro passo atrás. Ou seja, aqueles candidatos negros entrariam mesmo se não houvesse cotas, então a cota, principalmente para negros, ficou inútil, inócua. Não sou contra a idéia de um patamar mínimo, só acho interessante que a idéia tenha ressurgido só quando começamos a fazer políticas para incluir mais e melhor os mais pobres e os negros! Se devemos pensar em nota de corte para evitar que alunos com pontuações próximas de zero acabem ingressando em quadros de pouca concorrência, devemos pensar em definir essa nota média dentro de cada uma das cotas, sob pena de anular a política de cotas mesmo ela continuando a existir formalmente. Eu confio que os conselhos da UEPG reverterão isso, porque não se pode aceitar que seja desenvolvida uma política que não gera os resultados para os quais ela foi criada.

Em termos de uma avaliação geral, só posso falar sobre o ano de 2007, que foi quanto entraram os alunos da forma como a política foi inicialmente concebida, e foi o ano que analisamos com estudos quantitativos e qualitativos na Comissão de Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG. Nesse ano, podemos dizer que a política foi um sucesso. O vestibular garantiu que em torno de 15% a mais de alunos cotistas entrassem na UEPG, ou seja, sem a política de cotas eles não teriam entrado. A outra grata surpresa foi quando descobrimos que os cotistas, ao invés de baixarem a média do desempenho acadêmico de seus cursos (o que se poderia pensar pela nota menor que tiveram no vestibular), elevaram a média geral. A média geral das notas dos alunos cotistas de escola pública foi maior que a média dos alunos da cota universal. A média das notas dos cotistas negros, entretanto, foi mais baixa que as duas, mas quando começamos a estudar isso, vimos que a evasão entre esses alunos foi de aproximadamente 25%, o que é muito, comparado com a taxa de evasão nas outras cotas, que fica em torno de 10%. Não podemos dizer quais os motivos dessa evasão, mas desconfiamos de graves motivos de ordem econômica, principalmente. Por outro lado, quando tiramos os desistentes da conta do desempenho médio da cota de negros, descobrimos que esses alunos tiveram a média mais alta em 11 dos 28 cursos em que houve cotistas negros, incluindo Odontologia, Administração e História Licenciatura, por exemplo.

O que a gente conclui? Que o vestibular não avalia tão bem assim os alunos, que ele não capta bem as capacidades intelectuais que serão fundamentais ao longo do curso universitário. O vestibular, especificamente da UEPG, tem um problema muito grave de projeto pedagógico. Talvez porque ele não tenha um projeto pedagógico, mas apenas uma razão técnica, selecionar os que respondem melhor às questões. Mas que questões são essas, qual é a qualidade delas do ponto de vista do desenvolvimento do raciocínio e da criatividade? A sociedade não sabe que não são os departamentos que preparam o vestibular, e vários colegas o criticam, por exemplo os professores do curso de Letras, que no evento CIEL fizeram vários questionamentos à prova de redação, de língua e de literatura. Rediscutir o vestibular de forma ampla e sincera, colocando-o a serviço dos cursos, efetivamente, em vez do contrário, seria um bom começo. Talvez chegássemos à conclusão de que vale a pena abolir o nosso vestibular e aderir à proposta do MEC para usar o ENEM como prova de admissão. Eu, particularmente, acho que isso seria um grande avanço.

Eu concordo plenamente com o José Luiz Teixeira, e digo que essa opinião já foi comunicada verbalmente ao vice-reitor, prof. Luciano Vargas. O aluno que se inscreve por cota de negros faz o vestibular, é aprovado e aí é que vai ser verificado se ele tem aparência de negro mesmo ou não. Se não é verificado isso, ele perde a vaga. Nem sempre tem outra pessoa da cota para substituí-lo, o que diminui a capacidade da política de cotas de incluir mais alunos negros. E muitas vezes esse aluno passaria na cota de escola pública, isso causa muito sofrimento pessoal, e afeta quem participa da comissão, que não é indiferente, mas tem que seguir a resolução. O que pedimos é que a UEPG encontre um meio de aproveitar esse aluno, deslocando-o para a cota de escola pública.

O outro ponto que você pergunta refere-se à nota de corte, que já abordei acima, então o sr. José Luiz Teixeira está certíssimo, espero que o pedido do movimento negro da cidade seja acolhido pelos conselhos superiores da UEPG.

Nenhum comentário:

Seguidores