terça-feira, 2 de junho de 2009

Postagem da Georgeana - O menino do cavaquinho

A presente proposta de discussão refere-se às inferências e suposições discutidas por Silva Jr. sobre os estudos empíricos com observação direta sobre relações raciais discriminatórias nas escolas. Nesta parte do texto, o autor analisa especificamente cinco estudos, os quais apontam: a presença de “aspectos extremamente discriminatórios e estigmatizantes de crianças negras, desde a mais tenra infância” (p. 42); a preservação de valores morais e sociais atribuídos ao grupo branco pela maioria das crianças brancas e negras já na Educação Infantil; o silêncio de professores em sala de aula diante de atos discriminatórios e as questões psicológicas comprometedora do desenvolvimento do indivíduo advindas da discriminação latente que “formam um sistema afetivo auto-atribuído que vai da vergonha de ser negro até a desvalorização de si mesmo” (p. 44).

Uma experiência relatada por dois alunos de Estágio Supervisionado de Licenciatura em Música da UEPG apóia e articula-se perfeitamente com as observações de Silva Jr. Durante uma atividade de ensino musical na Educação Infantil (faixa etária 4 anos) em uma escola pública, os estagiários apresentaram figuras que remetiam a fazeres musicais contendo personagens e instrumentos cujos timbres seriam explorados:
Quando F. mostrou uma figura que trazia uma criança negra tocando cavaquinho, um dos alunos reagiu com agressividade dizendo que aquela figura era de um 'pretinho muito feio'. Isso nos causou grande susto e até mesmo falta de atitude, pois, como repreender uma criança que nem sequer conhecemos e da qual só temos a responsabilidade de tentar ensinar música? (Relatório de Estágio 2008)

As discussões que se seguiram no momento de reflexão após a prática, versaram sobre a importância do tema na formação de professores em todas as áreas de conhecimento, tomando-se por base o despreparo tanto dos estagiários quanto da professora responsável pela turma, que diante do incidente “não manifestou nem sequer um comentário”. Um dos estagiários ainda relatou ter se sentido muito mal, uma vez que ele é negro e que entre os alunos estava presente um aluno negro.
Silva Jr., ao considerar os resultados dos estudos compilados, parte da constatação de que a escola “é, [...] um preditor de destinos [...], segundo a raça-cor do alunado, repercutindo sobre sua vida social e intrapsíquica”, sendo um “desencadeador ou um entrave ao seu pleno desenvolvimento”. De fato, considerada a complexidade das relações sociais e afetivas que se desenvolvem no ambiente escolar, tal afirmação torna-se irrefutável, porém, diante da experiência acima relatada, cabe ainda refletir sobre qual seria o impacto da família e o peso dos valores e estereótipos inculcados no indivíduo em seu meio e convívio sócio-familiar trazidos por ele para a escola. Ainda que propostas de políticas educacionais direcionadas para a igualdade de oportunidades e de tratamento no sistema de ensino sejam realmente concretizadas no ambiente escolar, seria também possível à escola contribuir e influir para a conscientização e educação dos personagens do entorno familiar e social do aluno?

5 comentários:

L.F.Cerri disse...

Acho que o caso apontado é muito interessante para refletirmos sobre o padrão do racismo brasileiro: como "não somos racistas" (segundo Ali Khamel) as licenciaturas e a pedagogia em geral não tem uma preocupação em ensinar como se lida com as manifestações de racismo dentro da sala de aula. Simplesmente por acontecerem, mostram que não é verdade que somos uma democracia racial.
O primeiro item que deve nos preocupar nesse caso é que o tratamento discriminatório, quando expressado pela criança, acaba por ater-se à aparência, ligando o outro à idéia de "feio". Sabemos o quanto isso afeta a auto-estima, e o quanto a auto-estima é importante para o sucesso no aprendizado. As crianças não-negras transmitem - mais ou menos inocentemente - o preconceito de seus pais. Se os professores ajudam isso ou se omitem (dá no mesmo), isso vai afetar o rendimento da criança negra, o que ajuda a corroborar o preconceito.
Por esse motivo (esotu envelhecendo e ficando intolerante) é que é o cúmulo da hipocrisia (tudo bem, pode ser inconsciente) quando alguém diz que a cor da pele não afeta o desempenho acadêmico, e por isso não se pode aceitar as cotas. Ora bolas, se todos são iguais, porque a média dos negros é mais baixa? Certamente não é por falta de capacidade (porque os que entram por cotas acabam tendo desempenho compatível ou superior à média) mas porque o seu aprendizado foi minado lá atrás, na escola que trata a todos "igualmente".

Letícia disse...

A ocorrência com "O menino do cavaquinho" ilustrado tão bem pela Georgeana demonstra principalmente:
o preconceito desde a educação infantil,a omissão dos sujeitos (professores), a influência dos pais e da sociedade em geral diante do conflito.Este é um caso para ser discutido na formação das universidades, entre professores, pais e comunidade relacionando-o aos movimentos sociais que lutam contra a discriminação negra. A escola não pode ser punida por desigualdades que tem raízes mais profundas e que permeiam toda a sociedade, mas é culpada quando não reage e reforça a injustiça.

Elismara disse...

Muitas vezes a criança em seu meio social ainda não tem noção da sua origem e nem da discriminação racial existente contra ela. Mas a partir do momento que ela começa a freqüentar o ambiente escolar, onde ocorre o choque de várias etnias, as crianças “diferentes” são alvo de concepções preconceituosas, os quais recebem apelidos, que são símbolos de inferioridade e rejeição, marcando assim a sua história. A escola representa uma abertura para a vida social mais ampla, em que o contato é muito diferente daquele estabelecido na família, na vizinhança e no currículo de amigos mais íntimos. Pertencer a uma determinada classe racial faz muita diferença nas relações estabelecidas entre a escola e o indivíduo, nos momentos de avaliação, nas expectativas construídas em torno do desempenho escolar e na maneira como as diferenças são tratadas. É assim que o negro percebe que o status social não é determinado somente pelo emprego, renda ou grau de escolaridade, mas também pela posição da pessoa na classificação racial. A situação do negro é tão complicada que ele cresce ouvindo que é menos inteligente, menos capaz, feio, vê a imprensa realçar a beleza dos brancos e acaba incorporando uma imagem negativa sobre si e sua auto-estima diminui consideravelmente. Infelizmente a caracterização do negro na sociedade ainda permanece inferiorizada por uma questão histórica de menor status perante uma cor.

Helaine disse...

Infelizmente as propostas de políticas educacionais direcionadas para a igualdade de oportunidades ainda estão carentes de atitudes concretas no sistema de ensino, mas o entorno familiar e social do aluno deve ser prioritariamente considerado e a escola pode promover um trabalho de conscientização da legislação que ampara as vítimas de discriminação, para que busquem o seu efetivo cumprimento.

Unknown disse...

As crianças usam características da aparência dos colegas como xingamento e forma de humilhar. Porém, a criança pequena ainda não tem consciência das conseqüências dessa atitude (estão em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social), muitas vezes, apenas transmitem o preconceito das pessoas que estão a sua volta, como disse o Professor Cerri. Assim, refletindo sobre a indagação da Georgeana, penso que a escola, cumprindo o seu papel como instituição de formação, tem sim uma grande responsabilidade no sentido de contribuir para o processo de desconstrução dessas manifestações racistas e discriminatórias, pois omitir ou ignorar a discussão/trabalho dessas manifestações, faz da escola/professores coniventes com elas e acaba reproduzindo o preconceito. A responsabilidade da escola, a qual se diz inclusiva e igualitária, se torna ainda maior quando se trata do fracasso escolar dos afrodescendentes, apontado nas postagens anteriores, em que a baixa auto-estima, a desmotivação, a negação da identidade e o sentimento de não ser capaz acabam influindo negativamente no aprendizado.

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