O artigo "Pesquisando multiculturalismo e educação: o que dizem as dissertações e teses”, de Ana Canen, Ana Paula Arbache e Monique Franco, nos leva a refletir sobre a necessidade da construção de um currículo multiculturalista na escola, no sentido da valorização de identidades culturais apagadas ou negadas.
O termo multiculturalismo combate o etnocentrismo, ou seja, combate a visão de mundo da sociedade branca dominante que se torna mais importante do que as demais. A política multiculturalista visa resistir à homogeneidade cultural, sobretudo quando esta homogeneidade afirma-se única e legítima, reduzindo outras culturas a particularismos e dependência.
De um lado existe um multiculturalismo de cunho conservador, que busca a conciliação das diferenças com base no mito da harmonia. Esta construção ideológica nega que as relações entre os grupos étnicos são marcadas por antagonismos e conflitos. Sob esta ótica o multiculturalismo encoraja o crescimento da tolerância, mas tolerar não significa acolher ou envolvimento ativo com o outro. Tolerância é o reconhecimento simplificado do outro, é reforço do sentimento de superioridade, significa suportar a existência do outro e de seu pensamento diferente.
De outro lado, existe o multiculturalismo crítico, o qual tendo por base a política cultural da diferença, questiona o monoculturalismo. Ao rejeitar todo o preconceito ou hierarquia, este multiculturalismo baseia-se no respeito ao ponto de vista, às interpretações e atitudes do outro. O reconhecimento do outro tem um significado mais complexo e profundo sob a ótica desse multiculturalismo, as formas de vida do outro são de nosso interesse, ainda que não vivamos essas formas, o respeito pelo outro não admite força, violência ou dominação, admite sim o diálogo, o reconhecimento e a negociação das diferenças.
O multiculturalismo aplicado à prática educacional, oferece oportunidade de um novo modo de compreender e valorizar a diversidade cultural. Mais do que a simples tolerância e integração, o multiculturalismo propõe a interação das várias formas de manifestação cultural, não apenas no que diz respeito aos pontos de semelhança que se verificam entre uma e outra, mas sobretudo no que diz respeito às suas diferenças mais essenciais.
Assim, o multiculturalismo acaba suscitando aquilo que o estudioso de currículo, Tomaz Tadeu da Silva, aponta: “a igualdade não é obtida através da igualdade de acesso a um currículo hegemônico, mas através de uma modificação substancial do currículo existente”.
Indagações para debate:
1 - É importante considerarmos que a escola tem papel fundamental no combate ao preconceito, porque participa da formação das crianças como cidadãos. Ela contribui significativamente para a construção da identidade do indivíduo, pois o ambiente escolar é um espaço da diferença, da diversidade e também de encontros, embates, conflitos... Como a escola vem trabalhando a questão da subjetividade e identidade dos afrodescendentes?
2 - Para muitos pais, alunos e professores, a violência vem de fora da escola, ou seja, a escola é vista como uma vítima de “maus elementos” que a atacam, depredam e roubam. No entanto, a escola também produz a violência no seu cotidiano, é uma violência sutil e invisível. É promovida pelos próprios educadores através de regulamentos opressivos, currículos e sistemas de avaliação inadequados à realidade onde está inserida a escola, medidas e posturas que estigmatizam, discriminam e afastam os alunos. Como é possível modificar estruturas de exclusão social em termos educacionais?
3 – A construção de um currículo multiculturalista não é apenas o festejo do dia do índio, ou discussão sobre políticas de ações afirmativas. Considerando o multiculturalismo crítico no contexto escolar, como construir um currículo que não reproduz padrões, estereótipos, exclusões?
8 comentários:
Outras questões, por parte da Marcele:
- Como no Brasil, o campo da Educação vem abarcando as questões e preocupações multiculturais?
- De que maneira, a caracterização operacional de categorias do multiculturalismo pretende ajudar a superar a questão das fronteiras entre pesquisas em estudos culturais, étnicos, de gênero, entre outros?
- Como a pluralidade de estudos qualitativos, que buscam os significados que os sujeitos dão à realidade, como constroem seus discursos e de que maneira desenvolvem suas histórias de vida, revelam caminhos fecundos para o pensamento multicultural?
Postagem da Patrícia sobre esse tema:
A pluralidade cultural é uma realidade vista aos olhos da sociedade e intensificada no espaço escolar. A necessidade de uma formação docente e de futuras gerações conectadas com este determinante tem sido debatida, através de múltiplas reflexões que buscam alternativas de trabalhar o multiculturalismo, fazendo do tema um desafio para a educação do século 21.
Trata-se de um processo de inclusão, não apenas na assistência à “deficiência”, mas do respeito e valorização da identidade cultural apagada ou negada dentro dos espaços de formação. Esta é uma temática ainda pouco trabalhada nas produções acadêmicas e o estudo realizado no texto questiona se o que se encontra nestas produções possui o enfoque comprometido do multiculturalismo.
Sendo o multiculturalismo um termo polissêmico, abarcando a diversidade em todas as suas possibilidades entende-se que para o sujeito formado nesta perspectiva, o entendimento do plural deve ser hibrido, pois a constituição de uma identidade cultural híbrida “constitui um caminho fértil para a educação multicultural crítica”(p.3)
A temática do pluralismo cultural se mostra muito pouco evidente nas teses e dissertações analisadas pelos autores. Enfatiza-se que quando se trata de potencial multicultural crítico, o número de trabalhos é ínfimo. A maioria dos trabalhos baseia-se em questões ligadas a gênero, etnia , raça, sexualidade, "deficiência"; sendo as pesquisas consideradas multiculturais foram as que categorizavam a identidade, pois a construção e hibridização identitária delineia um potencial multicultural crítico presente nos trabalhos analisados, independentemente da presença explícita dos termos "multicultural" ou "intercultural".(p.14)
A construção de sujeitos multiculturais críticos envolve a construção de uma identidade plural, sensibilizada a perceber o “diferente” e compreendê-lo em todos os seus aspectos. A meu ver envolve uma questão onde a ação deve definir a política e agir no social. É um tema que exige uma reflexão aprofundada de nossas condutas profissionais e acadêmicas no sentido de fazer esta questão da pluralidade cultural presente em nossas discussões.
cOMENTÁRIO DE LUCIANO:
Com relação a questão levantada pelo professor sobre o negro na escola, dentro da temática do meu objeto de pesquisa: Livro didático, parece que ainda caminhamos a passos lentos. Embora à partir da obra de BONAZZI E ECO, em Mentiras que parecem verdades, de mais de 20 anos atrás, que inaugura a discussão sobre a questão da ideologia nos livros didáticos, em que aparecem questões sobre o negro, há trabalhos que datam o ano de 2003 ( data da lei sobre o ensino de literatura africana) que ainda é possível verificar esse tipo de preconceito em livros de língua portuguesa, é necesário um amplo debate. Sugiro como leitura MANOLO FLORENTINO E JOSÉ ROBERTO GÓES: A PAZ NAS SENZALAS: FAMÍLIAS ESCRAVAS E TRÁFICO ATLÂNTICO- RJ, 1790-1850
Luciano, o PNLD exclui livros que tragam alguma manifestação de preconceito. Pelo menos essa é a lei, e sei, por experiência própria, que é assim na área de História.
Sobre o festejo do dia do índio, ele é o contrário do multiuculturalismo, pois nega a especificidade dessa cultura (os adereços são de índios norteamericanos), não dá voz para os índios de hoje, reduz a condição indígena a um estereótipo. Teríamos que rever tudo isso nas escolas de ens. fundamental...
Sobre a depredação da escola, a lógica da depredação é sentir-se alheio àquilo que se depreda. Por isso é que pintam estátuas e colocam sutiã nos bustos de graves e bigodudos senhores do passado, porque eles são impostos sem que se os discuta. Os jovens toleram a imposição, mas se manifestam contra ela de modo dissimulado, como resistência, sempre que podem (vão ver o busto de uma das mais importantes educadoras locais, na pça Barão do Rio Branco, bem em frente à Igreja do Rosário...).
Com a escola acontece o mesmo, aquelas que são assumidas pela comunidade como suas são protegidas, até pelos traficantes.
A Silvana na análise do texto sobre o multiculturalismo expõe com clareza a diferença entre o multiculturalismo conservador que tem como característica a tolerância e o crítico que propõe uma interação entre semelhanças e diferenças.A simples tolerância demonstra uma atitude formal da escola, sem um caráter formativo.O multiculturalismo crítico propõe a interação, que vai além da integração ( simples justaposição das partes opostas).A interação curricular pode efetivar-se a partir de conteúdos e disciplinas previstas atualmente sobre a questão étnica, como um primeiro passo à interação curricular.
Trabalho também com o ensino religioso no ensino fundamental público e esta disciplina reflete bem o preconceito dos alunos em relação aos ritos das comunidades, principalmente das comunidades afro-brasileiras. O termo "Macumbeiros" assume inicialmente um caráter pejorativo para designar seus praticantes negros. Quando explico que são macumbeiros sim, mas porque tocam o instrumento macumba, uma espécie de tambor no terreiro, as piadas param e começam a demonstrar interesse. Portanto, as subjetividades (tanto do aluno quanto do professor)precisam ser trabalhadas pela escola fazendo parte de um processo maior de desenvolvimento das consciências.
As instituições escolares orientam os professores que contemplem em sua disciplina a questão das culturas afro e indígena, abrindo espaço para o trabalho de projetos sobre o tema. São oferecidos cursos sobre o assunto direcionados aos professores de História e outros destinados aos demais, mas em número limitado nas conhecidas semanas pedagógicas, o que significa quase nada diante da tamanha abrangência do multiculturalismo e de sua importância. O investimento na formação dos professores pode auxiliar nas dificuldades enfrentadas pelas escolas, principalmente quanto às atitudes de caráter discriminatório.
Somos provas de que tanto a sociedade quanto a escola estão revendo seus conceitos sobre a história do Brasil e sua formação étnica, ressaltando pontos antes não discutidos em relação à história do negro. Embora a comunidade escolar esteja revendo a sua maneira de abordar estes assuntos, não é tão fácil mudar a situação dos afro descendentes, no quie diz respeito ao preconceito na sociedade pois ninguém nasce preconceituoso, nem se julgando inferior ou superior por causa de uma cor de pele. Isso nos remete a Rousseau quando enfatiza que “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”, pois no caso da discriminação em relação ao negro é a sociedade que de certa maneira impõe este preconceito, porém deve partir dela a iniciativa de acabar com este preconceito também. Concordo com a Silvana quando ela destaca que o multiculturalismo vem modificando as interações e colocando como desafio a conciliação de uma diversidade de costumes, concepções e valores, sem perigo de se excluir as formas diferentes de se manifestar. É a partir dessa perspectiva multicultural que a educação no contexto escolar deve analisar os métodos de ensino e aprendizagem, a fim de apresentar a pluralidade cultural como fonte de conhecimento e não de exclusão social.
(Me desculpem pelos erros gramaticas e pela falta de profisionalidade nesse comentario... Portugues nao 'e minha primeira lingua).
Lendo essa postagem, faz parecer que o multiculturalismo seja uma ideia educacional linda, e que ajuda a trazer humanizacao e integracao a sala de aula. Acho importante dialogar sobre tal ideias, especialmente ja que historicamente houve tanto etnocentrismo, racismo e que por parte ainda existe. Mas tenho que deixar claro que tenho tanto medo do multiculturalismo quanto do racismo. Pois o trabalho do professor nao 'e de criar um cidadao, muito menos de situar-lo a um genero, cultura, etnia... e integrar-lo ao outro. O ponto da educacao talvez deva ser a "conscientizacao" como disse Paulo Freire e nao a conscientizacao cultural, etnica, de genero.. do outro e de si proprio. Por que isso so prolifera a differenca. Mas sim a conscientizacao que questiona a construcao da identidade. Nao estou dizendo que todos tenham que deixar suas culturas e identidades de lado, por que isso seria pura hegemonia. Mas talvez mas importante do que integrar os negros aos brancos seja fazerlos entender as razaoes da construcao da negritude e da branquitude. Uma educacao dismitificadora talvez seja melhor que uma educacao integrando os ilusiorios.
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