terça-feira, 28 de abril de 2020

UEPG E EAD NA PANDEMIA: NÃO É QUESTÃO DE SE, MAS DE COMO E QUANDO.


Assistir à sessão do Conselho Universitário da UEPG nesta segunda-feira, 27 de abril de 2020, após mais de 40 dias de quarentena (!) foi uma experiência que me causou muitos sentimentos e reflexões conflitantes. Creio que o mesmo ocorreu com todos os outros espectadores, guardadas todas as diferenças de classe social, papel dentro da Universidade, condição de gênero, posicionamento político-ideológico e tudo o mais.
O mais interessante de uma reunião do CoU transmitida pelo Facebook foi permitir notar que duas discussões ocorriam paralelamente: a dos conselheiros e a dos espectadores, através dos comentários da rede social. Alguém poderia dizer que se trata de um cotejamento entre a democracia representativa do Conselho, delegada, indireta, e a democracia direta das redes sociais, em tese mais autêntica e sem mediações. Não tão rápido! Quem participou da discussão por meio da rede social na verdade é quem conseguiu garantir uma conexão de internet com o mínimo de qualidade e aparelhos que permitiram essa interação, em geral condições acessíveis apenas da pequena burguesia para cima, na escala social. Ou seja, grande parte dos que falavam em nome dos que não têm condições de acesso à internet não eram efetivamente quem não tem tais condições, mas seus representantes também, dentro da pequena burguesia que tem maior sensibilidade social. Onde conseguiram seus mandatos, por que atos e documentos os que não têm condições de acesso delegaram sua voz a seus colegas da pequena burguesia, não ficou claro ainda. Evidentemente não podemos excluir a possibilidade de que os sem condições de acesso tenham conseguido de alguma forma obter tais condições para participar também desta sessão on-line.
A primeira constatação que tiramos desta situação é que a pandemia destruiu – ainda que temporariamente – a UEPG presencial que conhecíamos. A única UEPG que se ergue dos escombros do bombardeio que o vírus corona despejou sobre os tempos normais, no momento, é a UEPG virtual. O ataque do vírus corona, por ordem de gravidade: mata pessoas, deixa pessoas doentes, coloca o sistema de saúde sob ameaça constante de colapso, freia a economia, prende grande parte da população em suas casas, produz doenças mentais diversas e, por fim (mas neste caso, não menos importante), coloca o presente em uma espécie de pausa. Quanto mais prolongada é a pausa do presente, maior a angústia de todos nós, que passamos a desejar cada vez mais ardentemente que as coisas voltem ao normal. É melhor que aceitemos logo que as coisas não vão voltar ao normal, entendido aí o normal como o modo que vivíamos antes da pandemia.  Por isso a demanda tão urgente de nos voltarmos para o futuro, em vez do passado e, olhem, sou historiador e serei cobrado por essa frase, provavelmente também de formas não muito gentis, mas é exatamente pelo fato de ser um profissional que lida com as representações do passado e sua circulação social que me obrigo a escrevê-la: precisamos focar no futuro. Obviamente temos que aproveitar o conhecimento do passado, mas ele não é o nosso futuro. Aliás, quando é que foi? Nunca, né? (exceto para conservadores renhidos).
É a partir dessa reflexão sobre o normal que perdemos no ataque do vírus que classifico grosseiramente dois polos do debate no Facebook concomitante à reunião do CoU. Em geral, as posições mais conservadoras sobre o que fazer parecem estar sustentadas sobre o pressuposto de que em algum momento (de preferência mais cedo) voltaremos ao normal, e por isso não é o caso de fazer nada em especial neste momento. Por outro lado, muitas das posições em favor de que a UEPG inove e garanta alguma forma de atividade educacional denunciam uma postura bastante individualista: meu direito, minha formatura, minha necessidade. Isso não quer dizer que entre os que querem manter tudo como está (parado) existam apenas compromissos altruístas, e entre os que querem mudar o estado de pausa existam apenas posturas egoístas. Mas é notório que conservadores egoístas podem usar peles altruístas, e geralmente para os progressistas altruístas existam apenas peles egoístas disponíveis. O fato é que não devemos centrar o debate por identidades, identificações ou julgamentos dos debatedores, mas nos fatos e argumentos, e por um motivo muito simples. Quando o debate ocorre pautado por identificações, os argumentos ficam em segundo plano: tendemos a carimbar um argumento pela posição de quem o colocou, e aí buscamos razões para apoiá-lo ou atacá-lo conforme nos identificamos ou não com quem argumentou. O argumento em si, nesse caso, fica às moscas. Chegamos até esse pântano cognitivo porque nossa vida pessoal e pública foi recondicionada pelas redes sociais, que pela natureza do seu modelo de negócio, acabam por impor essa lógica. O debate em questão foi marcado por esse fenômeno: objeções a propostas são tratadas como se refutassem terminantemente a proposta, quando na verdade deveriam ser aceitas como argumentos, uma vez assimilados, para aperfeiçoamento da proposta. Pelo contrário, ideias, fatos e argumentos são entendidos e usados como pedras e paus em alguma confrontação paleolítica. É o oposto de como a ciência deveria funcionar.
Temos urgência de responder se os lados do debate nas redes sociais – que de algum modo repercutem o debate dentro do Conselho – são de verdade antagônicos e mutuamente excludentes. Por exemplo: quem é favorável a retomar as atividades de ensino precisa que os que são contrários sejam obrigados a retomar? Ou: quem é contrário a retomar as atividades de ensino precisa que os favoráveis sejam proibidos de retomar? O ideal e o normal seria ter uma decisão que vigorasse igualmente para todos. Mas, para quem já esqueceu, o normal e o ideal foram bombardeados pelo vírus corona e se encontram arrasados, enquanto combates corpo a corpo continuam ocorrendo entre os escombros.
Sob os escombros do nosso normal e das alternativas ideais, cada vez mais gente vai entendendo que o passado não voltará. As chances de a pandemia ter destruído para sempre o que era normal antes dela são muito mais prováveis que o contrário. Diante disso, esperar para que as coisas se “normalizem” não é uma opção razoável, embora muitos se agarrem firmemente a ela, em negação da realidade. O futuro diante de nós não é animador. O que já temos de certeza é que viveremos/ vivemos uma profunda depressão econômica, cuja superação levará anos. Ou seja, qualquer possibilidade de economia de recursos passa a ser crucial, e mais: não se sai sustentavelmente sozinho da depressão econômica, saímos todos, ou ninguém sai por muito tempo. O que não temos certeza, mas sabemos ser possível, é que pode ser necessário retomar futuras vezes o isolamento social, por conta de novas ondas de contaminação. O pior cenário é que o vírus possa reinfectar os já atingidos pela COVID-19, ou que outras pandemias ocorram na sequência. É para algum desses cenários – nenhum deles bom, nenhum ideal, nenhum normal como antes – que todos temos que nos preparar, inclusive a Universidade Pública, da qual a nossa sociedade tanto depende, inclusive para o combate à doença e para a reconstrução daquilo que for destruído pela pandemia.
“Estamos em guerra”, costumamos ouvir frequentemente, uma guerra contra um inimigo invisível, não contra outros humanos, mas que precisa desesperadamente da colaboração e da solidariedade interna e entre os países. Essa união e essa racionalidade nos foram terrivelmente arrancadas pelo modo de funcionamento das redes sociais, que impuseram sua lógica à política e nos legaram, no Brasil e nos Estados Unidos entre outros, líderes incapazes de lidar bem com um desafio destas proporções. Infelizmente, o próprio presidente do Brasil comporta-se não como nosso líder nesse conflito, mas como um agente infiltrado a serviço de uma potência estrangeira, no caso a potência da infecção pelo SARS-COV-2 e a disseminação da COVID-19. Ou seja, já começamos mal nessa guerra. Mas desde o século XX sabemos que guerras mundiais exigem o comprometimento de toda a população, sem exceções. A linha de frente desta vez é composta pelos profissionais da saúde, que arriscam suas vidas no front da nossa espécie. Precisam de todo tipo de apoio que os demais puderem fornecer, e por isso se forma uma linha de abastecimento. Em ambas as linhas, a Universidade tem um papel fundamental, tanto no fornecimento de efetivos quanto em sua reposição, por meio da formação de novos profissionais, mas também no estudo do inimigo e no desenvolvimento de todo tipo de arma que pudermos utilizar. Ou seja, quanto mais as universidades puderem funcionar – sempre fora do ideal, já sabemos – melhor para todos. Na retaguarda, o comprometimento de todos com as atitudes e os recursos necessários é fundamental, e a ausência disso equivale a deixar a linha de frente e a linha de abastecimento jogados à própria sorte. Para que a retaguarda possa cumprir sua função, é necessário construir um “novo normal” em que possa ser feito tudo é que é possível fazer diante das condições que nos foram impostas, para gerar novas condições que nos coloquem em patamares sucessivamente superiores aos que temos hoje, pois além de enfrentar e vencer essa guerra, precisaremos de tudo isso para a recuperação do pós-guerra. Por dois motivos, cada um de nós precisa superar suas dificuldades e fazer tudo o que estiver ao seu alcance. O primeiro motivo é por uma questão psicológica: em isolamento social, na quebra da rotina, e com a falta de tarefas que precisemos cumprir, tendemos a nos concentrar nos problemas e nas más notícias, e a total inatividade em nossas funções normais é uma ampla rodovia para a depressão, pânico, apatia, ou, em termos militares, para a baixa da moral. O segundo motivo é que quanto mais permitimos que nosso presente continue pausado, mais demoraremos para sair dessa pausa, principalmente em termos econômicos.
Mas... e os problemas para retomar as atividades? E os problemas que a retomada das atividades vai causar? Essas perguntas são imprescindíveis e devem ser acolhidas com toda a seriedade, e com todo o entusiasmo e sinceridade em encontrar saídas. Os principais problemas identificados até aqui para a retomada das atividades didáticas por meio de atividades não-presenciais são: a) estudantes e, em menor escala, professores sem condições de acesso de boa qualidade à internet; b) estudantes e professores cuja rotina foi alterada, na pandemia, de modo que estão cuidando de outras pessoas e não dispõem de tempo ou condições psicológicas para dar continuidade às atividades acadêmicas; c) estudantes e professores sem condições psicológicas para dar continuidade às atividades acadêmicas que não pelas razões em b; d) precariedade geral do acesso via redes para todos os envolvidos [1].
Antes de qualquer outra coisa, é necessário reafirmar incansavelmente que toda solução que se encontre agora não vai – nem pode, nem pretende – repor nenhuma condição do antigo normal. É preciso lembrar também que não se criará nenhum processo ideal, até porque mesmo antes da pandemia, não tínhamos condições ideais: o ideal é uma meta que sempre se afasta quando nos aproximamos. Mesmo nos tempos antes da pandemia, as soluções aplicadas para determinados problemas podem levar a novos problemas que terão que ser resolvidos a seu tempo. Para dar um passo adiante, esperar que a solução apresentada para um problema complexo e multifacetado o resolva totalmente é o caminho mais seguro para ficar parado. Outro caminho seguro para a imobilidade é esperar que se conceba e resolva de antemão todos os novos problemas que ainda não surgiram quando implantar uma solução possível para um problema atual complexo.

Por tudo isso, a discussão não deveria ser mais sobre SE vamos ou não começar a aplicar medidas que permitam a continuidade das atividades didáticas por meio de novas tecnologias de informação e comunicação, mas COMO e QUANDO. Isso porque mesmo se a saúde pública permitir a retomada das aulas normalmente, temos que estar preparados para novas ondas de isolamento social, e para a depressão econômica que vem por aí.
O Conselho deve trabalhar no sentido de uma resolução para tempos de emergência e calamidade pública e, portanto, para situações de excepcionalidade, exclusivamente. Deve ser firmado um compromisso entre todos os participantes de que essas normativas não valem para tempos que não sejam de exceção. Isso é necessário para evitar as preocupações razoáveis sobre se não haveria um movimento para transformar a exceção em regra e prejudicar os sujeitos da universidade em favor dos governantes ou de seus financiadores/ lobistas. Outro princípio a nortear essa resolução é o de não gerar prejuízo permanente para nenhum dos envolvidos. Assim, deve ficar garantido que as pessoas – professores, alunos, técnicos – que não puderem/ não quiserem aderir às medidas tomadas, possam ter alternativas factíveis ao mesmo tempo ou em tempo posterior às ações desenvolvidas. Da mesma forma, para os que quiserem se envolver neste tipo de empreitada, deve ficar claro, juridicamente, que não farão jus a nenhum benefício adicional, e que renunciam a qualquer litigância com a UEPG por conta das atividades, horários e condições diferentes que tenham que cumprir. Deve ser previsto, portanto, um termo de compromisso assinado pelos envolvidos.
Em termos de seus conteúdos, a resolução precisa definir de antemão, para este e para todo momento de crise posterior, um recurso unificado de comunicação com a comunidade universitária, com credibilidade institucional para a transmissão de todas as orientações oficiais e válidas. Uma página especial de internet da Universidade, replicada com o mesmo conteúdo nas várias redes sociais, onde as várias instâncias – reitoria, conselhos, setores, departamentos e colegiados de curso, possam estabelecer orientações unificadas e válidas para os seus respectivos públicos. Para isso, as formas de contato com os membros da comunidade universitário precisam estar constantemente atualizadas, e isso deve estar previsto na resolução, com atribuição de competências e responsabilidades. É desejável suspender o critério de frequência para as atividades de ensino durante o momento de crise, e estabelecer que para cada atividade realizada por um canal de EaD, seja criada pelo menos uma alternativa de acompanhamento para quem não tiver acesso ou tiver acesso com menos qualidade, a critério e sob orientação dos colegiados de curso. O professor precisa ter a garantia de que não precisará desenvolver o mesmo trabalho quando a pandemia estiver superada, daí a necessidade de planejar atividades alternativas, gravar as aulas para acesso posterior etc. Os que não puderem acompanhar as atividades deverão ser acolhidos em atividades alternativas, como por exemplo Planos de Acompanhamento Especial definidos pelos docentes e acompanhados pelos Colegiados.
São necessárias parcerias com a comunidade, por exemplo com as emissoras de rádio e TV, especialmente a TV Educativa de Ponta Grossa, para que liberem horários para transmissão de aulas, e gestões junto à ANATEL e operadoras de telefonia para conceder acesso gratuito a uma página da UEPG que centralize os conteúdos e orientações para aulas. Os contatos em Curitiba e Brasília devem ser demandados neste sentido. Aos que estão em regiões que não tenham sinal, pode-se gravar todo o material do curso em pen-drives para distribuição quinzenal em alguns polos na região, e fazer campanha de empréstimo ou doação de notebooks em condições de uso para que possam assistir, ler, mandar retornos etc. Voluntários podem ser mobilizados para fazer este material chegar aos colegas. A mobilização dos estudantes será fundamental, com comitês de representantes de turma que fiscalizem e colaborem para que as aulas cheguem de algum modo a todos os colegas. Em determinados casos, pode ser razoável que alunos com dificuldades de acesso e permanência acima da média fiquem alojados temporariamente na UEPG e tenham acesso a laboratórios de informática, restaurante e alojamento, garantidas todas a medidas de higiene e distanciamento social. Enfim, os favoráveis à retomada precisam ter claro que se trata de um grande esforço, que não vai ser resolvido apenas “cobrando das autoridades”, mas também com apoio voluntário e solidariedade com os colegas que não tenham as mesmas condições.
Se todos se responsabilizarem por todos, como deve ser, é possível que todo o setor de ensino da UEPG consiga ir além da sua contribuição mínima, que é interromper as atividades, para uma contribuição mais afirmativa, que é dar continuidade à formação de recursos humanos, seja aqueles que são desesperadamente necessários agora, seja aqueles que serão necessários muito em breve, na reconstrução do país. Paz entre nós, guerra ao vírus corona.


[1] Durante a transmissão do CoU, aconteceram vários travamentos. Apressadamente alguns deram o vaticínio de morte de qualquer proposta de atividade didática on-line, esquecendo que aquela transmissão, especificamente, teve centenas de acessos ao mesmo tempo. Já fizemos reuniões de departamento pelos mesmos servidores de internet nos últimos dias, com cerca de 30 pessoas conectadas, que funcionaram razoavelmente bem do começo ao fim.

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