Recebi essa no email:
>Repasso como veio, para seu deleite, ou....reflexão!
((pode crer que é reflexão!!
>Foi encontrada ((por quem? por que o autor da façanha é tão tímido ou modesto que não aparece?))uma carta que se considera uma RARIDADE......deve valer milhões, bilhões.......leiam que linda.....é imperdivel............ ISTO É FANTÁSTICO ....NÃO TEM PREÇO .....UMA RARIDADE.
>
>CARTA ENVIADA À SHELL NOS ANOS 80 . . .
>Este fato é verdadeiro. A Shell tem a carta arquivada.((O ET de Varginha também. Meu amigo, o Dunha, viu os arquivos)))
>
>A empresa Shell abriu seus arquivos e veio a conhecer o conteúdo de uma carta enviada por um consumidor, nos anos 80, ao seu Serviço de Atendimento ao Consumidor.
>Ela está transcrita na sua forma original, inclusive com os erros gramaticais.
>Conheça a carta:
>Olá!
>Tenho um Corcel II 1986 a álcoo e sou cliente dos posto Shell. Não abasteço em nenhum otro posto há mais de 5 ano.
>Tô escrevendo porque tô com uma dúvida na qual acho que vocês são os mais indicado a me ajuda.
>A questã é que tô progamando uma viage para domingo dia 27/10. Nesse dia será realizado o 2º turno das eleição e mais uma vez vai tê a proibição de venda de álco da meia noite até a meia noite de domingo.
>A chamada lei seca. Mas o trajeto que pretendo percorre no domingo é muito maior do que cabe de alco no tanque do meu carro, logo, já que não vai tê venda de álcoo, vô tê que carrega em alguma vasilha o resto que segundo meus cálculo, é um tanque e meio, quase 100 litro.
>Gostaria de sabe qual a vasilha mais segura pra transporta o alco ou se tem alguma outra solução pro meu pobrema. Pensei em talvez abastece com gasolina, já que a proibição de venda é só de álco, pelo que eu vi.
>Caso a solução seja mesmo a de transporta o combustíve a sê usado, gostaria de sabe se algum posto de vocêis na região da Grande ABC poderia fazê um desconto, já que eu estaria comprando mais de 150 litro de álco no sábado.
>Conto com a ajuda de vocêis.
>Açinado:
>Luis Inacio da Silva
>Torneiro Mecânico
>São Bernardo do Campo/ SP
>Resposta da SHELL:
>Prezado Sr. Luis Inácio da Silva,
>Em retorno à sua carta, gostaríamos de esclarecer que a lei a que o senhor se refere, proíbe apenas a venda de bebidas alcoólicas nos dias de eleições e não a de combustíveis automotores.
>Shell Brasil S.A. Petróleo
Essa carta é verdadeira na mesma medida de verdade da extinção do 13o. salário, que já foi aprovado no Senado, segundo os emails que rodam por aí.
Veja comigo:
- se é anos 80, e o segundo turno só foi implantado a partir de 1988, valendo para a eleição de 1989, então o primeiro turno, como vc lembra, ocorreu em 15 de novembro e o segundo em 17 de dezembro de 1989, não em 27 de outubro.FALSO.
- Candidato a presidência, ele andaria com um Corcel por aí? Lembro que o PT não tinha jatinho, que tinha que alugar, etc., mas Corcel? FALSO E MAL FEITO.
- 27 de outubro de 1989, único ano da década de 80 em que houve eleição em dois turnos, foi uma sexta-feira, não um domingo.
- De 1986 a 1990, Lula não era mais torneiro mecânico (como consta na assinatura da "carta") nem líder sindical. Era deputado federal, e detinha o recorde até então de votação individual para um deputado federal.
Não entendo como esse tipo de piada preconceituosa ao cubo continua tendo graça para algumas pessoas. Talvez, se a gente conseguir acreditar que o Lula é um analfabeto inepto, a gente consiga se sentir melhor diante das nossas próprias fraquezas e limitações pessoais. Pode ser isso.
Por outro lado, se o Lula é o analfabeto que trouxe as Olimpíadas, se é o burro que reduziu a miséria e a desigualdade média de renda, se é o incapaz sob cujo comando o Brasil entrou mais tarde e saiu mais cedo da recessão mundial, se é o iletrado em cujo governo as universidades federais mais avançaram em termos de recursos, que ampliou o valor e a quantidade das bolsas de mestrado e doutorado, o caipira que colocou o Bush em xeque e evitou o barco furado da ALCA, o atrapalhado que o Barak Obama disse que "é o cara", o ignorante que deixou o Brasil com recursos para pagar toda a dívida externa em caixa, tirou o Brasil do FMI e virou credor do órgão, o tosco que financiou a agricultura familiar de modo que ela se tornou mais produtiva que o agronegócio ... ENTÃO QUE DEUS NOS LIVRE DE SER GOVERNADOS DE NOVO PELOS DOUTORES DO DEMO E DO TUCANATO!
Está certo, já vão me dizer do mensalão, do dinheiro na cueca, do Sarney, dos coronéis do nordeste, da Marina Silva, e etc. Bom, num país como o nosso, com a nossa cultura política que temos, milagre ainda não está saindo... Um democrata não governa sem Congresso, e o Congresso também é o povo que elege... A alternativa seria não governar! E apesar de tudo, a vontade popular tem que ser respeitada, pode não estar sendo traduzida fielmente, pode estar distorcida, pode ainda melhorar, mas é o que temos! E eu duvido que as pessoas votem nos corruptos por ingenuidade, pode até ter um ou outro ingênuo, mas a lógica não é essa.
Desculpe o tom passional, mas eu trocava fácil meus dois diplomas de nível superior, além do meu mestrado e doutorado na Unicamp, meus três livros e quase 50 artigos em periódicos científicos (parte deles no exterior) por 10% da capacidade que o Lula tem de entender o Brasil, e de reunir e mobilizar as pessoas para melhorá-lo. Como historiador, tenho que olhar longe no tempo para enxergar alguém da estatura do Lula no passado. JK, Vargas... D. Pedro II?
Os preconceituosos contra quem não tem diploma, contra o jeito que o povo fala (e olha que até os linguistas já estão se livrando desse preconceito), que me desculpem, mas vão ter que engolir esse enorme sapo barbudo, agigantado pela dimensão que a história do Brasil já lhe deu. E vão engolir junto com a Globo, o Grupo Abril, o grão-tucanato, as donas da Daslu, o Ali Khamel e o (argh!!!) Arnaldo Jabor.
Vamos parar com esse preconceito dos diplomados, vamos cultivar a humildade, vamos ler Paulo Freire e Darcy Ribeiro e entender que, mesmo sem diploma, nosso povo é fantástico, mesmo tendo tanto a melhorar. Viva o Brasil, viva o povo brasileiro! E se ele escolher o Serra em 2010, eu vou lamentar, mas vou continuar mantendo a crença básica que sustenta a Democracia: o povo é sábio (embora não seja santo). A inteligência coletiva é maior que a inteligência individual. Fora disso, é a ditadura e a tecnocracia que nunca levou povo algum a nenhum lugar.
Se o povo escolher a Dilma, o Ciro, a Marina, parabéns também, porque faz parte do nosso aprendizado como nação, que ninguém pode fazer por nós mesmos, como aprendemos elegendo o Collor e o FHC. Só não aceito a tese de que o povo é burro e não sabe votar, isso quem dizia eram os generais de óculos escuros que roubaram a democracia e mantinham porões de tortura e morte para os inimigos políticos. Por causa deles - e dos patrões deles, cujos remanescentes estão no DEM e estavam no governo Bush - é que tivemos que reaprender a democracia e o voto. As eleições expressam as virtudes e os vícios do eleitorado, ainda que com filtros diversos que podem ser repensados.
Ah, parem com isso. Critiquemos o Lula porque ele não foi suficientemente radical ou porque os bancos ganharam demais. A piada do Lula burro é velha, não tem mais graça.
Outros mundos possíveis. Blog de opinião e divulgação científica, desde meu microcosmo, a UEPG, às questões de interesse geral, de um ponto de vista interessado no ensino de História, Educação em geral, consciência histórica, cultura política e transformação social.
PRODUÇÃO CIENTÍFICA
sábado, 17 de outubro de 2009
quinta-feira, 25 de junho de 2009
PROUNI, eu sou a favor
Reproduzo abaixo um texto do Gaspari sobre o Prouni. Ainda não consigo entender porque o movimento estudantil (nas universidades públicas) é tão contra o programa. Radicalismos à parte, trotskismos de lado, acho que o movimento estudantil nas universidades públicas não consegue escapar de sua origem de classe.
_________
Folha de São Paulo, 17/06/2009 - São Paulo SP
A cota de sucesso da turma do ProUni
Os pobres que entraram nas universidades privadas deram uma aula aos demófobos do andar de cima
ELIO GASPARI
A DEMOFOBIA pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que, se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as universidades públicas, eles não seriam capazes de acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas. Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral), com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter nas escolas. Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para quem não gosta da expressão). O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso ainda não foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo ministro Carlos Ayres Britto, em voto memorável. Ele lembrou um trecho da Oração aos Moços de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real". A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera com sua contribuição abolicionista. A discussão em torno do sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve a virtude de chamar a atenção para o passado e para a esplêndida produção historiográfica sobre a situação do negro brasileiro no final do século 19. Acaba de sair um livro exemplar dessa qualidade, é "O jogo da Dissimulação - Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o que foi o peso da cor. Dezesseis negros africanos que chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram deportados, apesar de serem súditos britânicos. Negros ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles.
A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um ano depois da Abolição. Nela havia um pleito, que demorou para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de faculdades ainda lutam para derrubar: "Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução". A comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que prometia educação para os libertos. Mais de cem anos depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso era possível mas que, surgindo a oportunidade, a garotada faria bonito.
_________
Folha de São Paulo, 17/06/2009 - São Paulo SP
A cota de sucesso da turma do ProUni
Os pobres que entraram nas universidades privadas deram uma aula aos demófobos do andar de cima
ELIO GASPARI
A DEMOFOBIA pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que, se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as universidades públicas, eles não seriam capazes de acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas. Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral), com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter nas escolas. Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para quem não gosta da expressão). O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso ainda não foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo ministro Carlos Ayres Britto, em voto memorável. Ele lembrou um trecho da Oração aos Moços de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real". A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera com sua contribuição abolicionista. A discussão em torno do sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve a virtude de chamar a atenção para o passado e para a esplêndida produção historiográfica sobre a situação do negro brasileiro no final do século 19. Acaba de sair um livro exemplar dessa qualidade, é "O jogo da Dissimulação - Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o que foi o peso da cor. Dezesseis negros africanos que chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram deportados, apesar de serem súditos britânicos. Negros ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles.
A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um ano depois da Abolição. Nela havia um pleito, que demorou para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de faculdades ainda lutam para derrubar: "Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução". A comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que prometia educação para os libertos. Mais de cem anos depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso era possível mas que, surgindo a oportunidade, a garotada faria bonito.
Marcadores:
ensino superior,
inclusão educacional,
universidade
terça-feira, 16 de junho de 2009
A vida nas escolas - questões para discussão
1. Se os professores participam involuntariamente no que os teóricos críticos da educação chamam de reprodução social, o que você, como professor, faria para superar as piores dimensões desse processo?
2. Como professores ou futuros professores, o que podemos fazer para tornar o currículo oculto menos oculto e menos perigoso?
3. Se o ensino e o aprendizado são formas de política cultural, quais são as maneiras pelas quais inconscientemente silenciamos ou excluímos vozes de estudantes diferentes em nossas salas de aula, tais como as vozes das minorias e dos estudantes economicamente desprivilegiados? Como podemos falar da emancipação sem mostrar desprezo por aqueles que estão presos nas garras da dominação ou ignorância, independente de suas posições de classe?
4. Como a nossa abordagem do currículo ajuda a moldar atitudes e percepções dos estudantes sobre a natureza do mundo? O mundo é visto como problemático? Ele é aberto ao questionamento e à análise? Você vê a estrutura social como imutável e inviolável ou como aberta a novas possibilidades de mudança emancipatória? Como poderemos desenvolver um discurso de educação que integre a linguagem do poder e do propósito com a linguagem da intimidade, amizade e preocupação com o outro?
2. Como professores ou futuros professores, o que podemos fazer para tornar o currículo oculto menos oculto e menos perigoso?
3. Se o ensino e o aprendizado são formas de política cultural, quais são as maneiras pelas quais inconscientemente silenciamos ou excluímos vozes de estudantes diferentes em nossas salas de aula, tais como as vozes das minorias e dos estudantes economicamente desprivilegiados? Como podemos falar da emancipação sem mostrar desprezo por aqueles que estão presos nas garras da dominação ou ignorância, independente de suas posições de classe?
4. Como a nossa abordagem do currículo ajuda a moldar atitudes e percepções dos estudantes sobre a natureza do mundo? O mundo é visto como problemático? Ele é aberto ao questionamento e à análise? Você vê a estrutura social como imutável e inviolável ou como aberta a novas possibilidades de mudança emancipatória? Como poderemos desenvolver um discurso de educação que integre a linguagem do poder e do propósito com a linguagem da intimidade, amizade e preocupação com o outro?
terça-feira, 2 de junho de 2009
Postagem da Marcele: APROVAÇÃO POPULAR DA VIOLÊNCIA POLICIAL: UM DESAFIO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA O MOVIMENTO DE DIREITOS HUMANOS
O restabelecimento do regime democrático em 1988, com a aprovação da Constituição elaborada pelo Parlamento, não suplantou a histórica prática estatal de recorrente violação aos direitos humanos. A manutenção da Polícia Militar no trabalho civil de policiamento preventivo e ostensivo da sociedade e a manutenção dos tribunais especiais de justiça, para julgar crimes comuns de policiais militares, implicam incompatibilidade com os requisitos básicos da democracia (Bicudo, 1994). No início do projeto político hegemônico, em que surgiram as normas constitucionais correlatas, não se imaginou um rompimento com uma das distorções institucionais mais significantes do totalitarismo: a repressão forte e normalmente letal a supostos infratores. A retomada da legalidade desse pontual integrante da estrutura repressiva totalitária concorreu para repassar as comuns práticas de violação aos direitos humanos, também voltadas contra o real ou suposto transgressor comum, onde essas práticas foram refazendo sua legitimidade junto à sociedade civil na medida em que não foram confrontadas pela coerção institucional estatal.
No final da década de 80, a Comissão de Justiça e Paz encomendou ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) um estudo realizado com uma amostragem de mil e duzentas pessoas, nas classes média e média baixa, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Com o intuito de analisar questões que enfatizam a noção popular referentes aos direitos humanos, a pesquisa passa por uma fase exploratória, pautada em discussões de grupo com elaboração de questionários e numa segunda fase em que os questionários foram aplicados na amostra referida (IBOPE, 1989 e IBOPE, 1990).
Deste levantamento, salienta-se que um número maior dos entrevistados apresentou certo ceticismo quanto à veracidade das notícias do jornalismo impresso e dos programas de televisão e rádio. As chances de manipulação da informação, não excluídas pelos entrevistados, decorrentes do alto índice de exposição a esses veículos de comunicação, não faz com que deixem de observar as páginas policiais ou com que deixem de dar audiência a programas que abordam assuntos referentes à violência.
Procurava-se formular estratégias de intervenção em duas direções comunicacionais: aumentar o apoio da sociedade civil na defesa dos direitos humanos e humanizar as vítimas... É a leitura feita decorrente da transcrição das discussões posteriores ao término do levantamento de opinião, ocorridas em três reuniões entre integrantes da Comissão de Justiça e Paz e Comunicadores. (Comissão de Justiça e Paz, 24/01/91, 28/02/91 e 04/04/91).
Sabe-se que uma intervenção político-pedagógica, como essa almejada pela Comissão de Justiça e Paz, afirma algumas ponderações teóricas sobre o funcionamento da sociedade e sobre as alternativas e limitações de estratégias comunicacionais para "contra-influir, sobretudo no que diz respeito à deturpação da justiça e dos direitos humanos" (Comissão de Justiça e Paz, 1985, p. 03)
Inicialmente, há a ponderação de até que ponto levantamentos de opinião podem esclarecer sobre o funcionamento da sociedade e do indivíduo. Salientando a suposta organização da sociedade civil brasileira, é notório levar-se em consideração as chances de que essa maioria politicamente desarticulada e de várias nuances, tenda a projetar e a reproduzir mais ou menos como seus os valores e práticas da minoria dominante (Marx & Engels, 1982; Giannotti, 1986). Também é razoável ter em conta que esses levantamentos mostram as dimensões mais superficiais e não as dimensões mais profundas dos eventos psico-sociológicos (Sandoval, 1994).
Em seguida, faz-se indispensável dimensionar até onde os veículos de comunicação podem influir na sociedade. Logicamente, cada vez mais concorrem na interação, mas faz-se necessário observar que não produzem realidades sociais. "Tudo o que é sólido e estável se volatiza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas" (Marx, apud Thompson, p.56). Desta forma, quando, por exemplo, exaltam fatos de interesse restrito em detrimento de outros de interesse mais abrangente, o fazem reativamente em detrimento de forças sociais dominantes. Assim, é do meio da sociedade organizada que deve partir a pressão sobre os veículos de comunicação, não o oposto, podendo salientar que: "Todas as nossas invenções e progressos parecem dotar de vida intelectual às forças materiais, estupificando a vida humana" (Marx, apud Berman, 1992).
Desta forma, veículos de comunicação podem até mesmo apresentar notoriedade favorável à defesa de direitos humanos, mas desde que isso não implique retaliações políticas: são grandes os exemplos de propaganda positiva das ações coletivas de campanhas contra a violência. Verifica-se, entretanto, que a transformação das práticas sociais de que resultam a omissão, a conivência e mesmo a aprovação popular às violações por agentes estatais, dificilmente poderá sustentar-se somente na propaganda humanizadora das vítimas, ainda que sejam invocados valores sociais includentes e universalizantes (Freud, 1933, v XXII, p. 251). Junto desse apelo moral, a mudança dessas práticas excludentes articula alteração nas relações sociais.
Têm-se dois casos apresentados em seguida que são contemporâneos ao levantamento de opinião acima enfocado e referem-se à execuções de civis levadas a termo por policiais militares. Pretende-se mostrar como interagiram autoridades estatais, veículos de comunicação e sociedade nesse contexto de violação extrema do direito humano à vida. O primeiro deles mostra uma ocorrência de massacre individual e o outro, mostra uma ocorrência de massacre coletivo. São casos emblemáticos da prática policial, das reações de autoridades e das manifestações de aprovação e de rechaço a esses crimes. Antes da exposição e da análise propriamente ditas, tecem-se algumas mediações teóricas.
A aprovação popular da prática policial pode ser exclusivamente explicada por fatores socioculturais, ou, ao contrário, é determinada por fatores peculiares às subjetividades dos indivíduos implicados? Entende-se que, de um lado, as manifestações de aprovação resultam da interveniência de fatores psicológicos de ordem universal, operantes na psique de todos os indivíduos e que, de outro, decorrem da interveniência de fatores sociais, marcadamente enraizados na cultura brasileira. Portanto, no todo o fenômeno resulta da concorrência de fatores socioculturais e fatores psicológicos.
Por causa do privilegiamento desse entrelaçamento de fatores, não são focalizadas peculiaridades das subjetividades individuais em questão. Diversamente, destaca-se o tipo de funcionamento psíquico que é predominante e comum às subjetividades no momento em que os indivíduos se manifestam interagindo com os demais. Instante da interação subjetividade individual e subjetividade coletiva, particularmente quando essa interação desde já denominada intersubjetividade é mediada pelos veículos de comunicação.
Observa-se que a subjetividade aqui considerada não está estruturada e nem funciona exclusivamente com base em processos psíquicos conscientes. Ao contrário, parte-se da concepção de sujeito humano cuja autonomia não é natural e nem integral, mas histórica e, por isso mesmo, relativa (Althusser, 1991). Entende-se que a subjetividade não implica unidade, mas cisão entre processos psíquicos conscientes e processos psíquicos inconscientes (Freud, 1915, v. XIV, p.183-245). Mais do que isso, a análise da aprovação popular às execuções de civis levadas a termo por policiais militares privilegiará os processos inconscientes que concorrem na determinação desse posicionamento político.
O conceito freudiano denominado identificação permite a abordagem do fenômeno porque articula as dimensões sociocultural e subjetiva (Freud, 1921, v. XVIII, p. 87-179; Mezan, 1985, p. 432). Referida à operação psicológica inconsciente que, a um só tempo, constitui a subjetividade individual e propicia os vínculos sociais, ou relações intersubjetivas, a identificação resulta do entrelaçamento de três ordens de fatores: sociocultural, psicológica universal e psicológica individual. Essa perspectiva de análise do psicossocial permite a generalização daquilo que é comum às subjetividades na abordagem do fenômeno intersubjetivo em questão. Feitas essas considerações, seguem-se a contextualização, o relato e a análise dos dois episódios de violência policial extrema, em que a identificação foi verificada na reação da sociedade, em manifestações de aprovação e de rechaço à ação policial.
Algumas questões referentes ao texto acima:
- Com relação aos direitos humanos, são muitos os exemplos de propaganda com ações que combatem a violência, mas desde que isso não implique em retaliações políticas... Juntamente à esse apelo moral, como se articula alterações nas relações sociais?
- Os levantamentos de opinião podem, até que ponto, esclarecer sobre o desenvolvimento e funcionamento do indivíduo e da sociedade ao qual ele está inserido?
- Como a perspectiva de análise do psicossocial permite a generalização daquilo que é comum às subjetividades na abordagem do fenômeno intersubjetivo?
No final da década de 80, a Comissão de Justiça e Paz encomendou ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) um estudo realizado com uma amostragem de mil e duzentas pessoas, nas classes média e média baixa, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Com o intuito de analisar questões que enfatizam a noção popular referentes aos direitos humanos, a pesquisa passa por uma fase exploratória, pautada em discussões de grupo com elaboração de questionários e numa segunda fase em que os questionários foram aplicados na amostra referida (IBOPE, 1989 e IBOPE, 1990).
Deste levantamento, salienta-se que um número maior dos entrevistados apresentou certo ceticismo quanto à veracidade das notícias do jornalismo impresso e dos programas de televisão e rádio. As chances de manipulação da informação, não excluídas pelos entrevistados, decorrentes do alto índice de exposição a esses veículos de comunicação, não faz com que deixem de observar as páginas policiais ou com que deixem de dar audiência a programas que abordam assuntos referentes à violência.
Procurava-se formular estratégias de intervenção em duas direções comunicacionais: aumentar o apoio da sociedade civil na defesa dos direitos humanos e humanizar as vítimas... É a leitura feita decorrente da transcrição das discussões posteriores ao término do levantamento de opinião, ocorridas em três reuniões entre integrantes da Comissão de Justiça e Paz e Comunicadores. (Comissão de Justiça e Paz, 24/01/91, 28/02/91 e 04/04/91).
Sabe-se que uma intervenção político-pedagógica, como essa almejada pela Comissão de Justiça e Paz, afirma algumas ponderações teóricas sobre o funcionamento da sociedade e sobre as alternativas e limitações de estratégias comunicacionais para "contra-influir, sobretudo no que diz respeito à deturpação da justiça e dos direitos humanos" (Comissão de Justiça e Paz, 1985, p. 03)
Inicialmente, há a ponderação de até que ponto levantamentos de opinião podem esclarecer sobre o funcionamento da sociedade e do indivíduo. Salientando a suposta organização da sociedade civil brasileira, é notório levar-se em consideração as chances de que essa maioria politicamente desarticulada e de várias nuances, tenda a projetar e a reproduzir mais ou menos como seus os valores e práticas da minoria dominante (Marx & Engels, 1982; Giannotti, 1986). Também é razoável ter em conta que esses levantamentos mostram as dimensões mais superficiais e não as dimensões mais profundas dos eventos psico-sociológicos (Sandoval, 1994).
Em seguida, faz-se indispensável dimensionar até onde os veículos de comunicação podem influir na sociedade. Logicamente, cada vez mais concorrem na interação, mas faz-se necessário observar que não produzem realidades sociais. "Tudo o que é sólido e estável se volatiza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas" (Marx, apud Thompson, p.56). Desta forma, quando, por exemplo, exaltam fatos de interesse restrito em detrimento de outros de interesse mais abrangente, o fazem reativamente em detrimento de forças sociais dominantes. Assim, é do meio da sociedade organizada que deve partir a pressão sobre os veículos de comunicação, não o oposto, podendo salientar que: "Todas as nossas invenções e progressos parecem dotar de vida intelectual às forças materiais, estupificando a vida humana" (Marx, apud Berman, 1992).
Desta forma, veículos de comunicação podem até mesmo apresentar notoriedade favorável à defesa de direitos humanos, mas desde que isso não implique retaliações políticas: são grandes os exemplos de propaganda positiva das ações coletivas de campanhas contra a violência. Verifica-se, entretanto, que a transformação das práticas sociais de que resultam a omissão, a conivência e mesmo a aprovação popular às violações por agentes estatais, dificilmente poderá sustentar-se somente na propaganda humanizadora das vítimas, ainda que sejam invocados valores sociais includentes e universalizantes (Freud, 1933, v XXII, p. 251). Junto desse apelo moral, a mudança dessas práticas excludentes articula alteração nas relações sociais.
Têm-se dois casos apresentados em seguida que são contemporâneos ao levantamento de opinião acima enfocado e referem-se à execuções de civis levadas a termo por policiais militares. Pretende-se mostrar como interagiram autoridades estatais, veículos de comunicação e sociedade nesse contexto de violação extrema do direito humano à vida. O primeiro deles mostra uma ocorrência de massacre individual e o outro, mostra uma ocorrência de massacre coletivo. São casos emblemáticos da prática policial, das reações de autoridades e das manifestações de aprovação e de rechaço a esses crimes. Antes da exposição e da análise propriamente ditas, tecem-se algumas mediações teóricas.
A aprovação popular da prática policial pode ser exclusivamente explicada por fatores socioculturais, ou, ao contrário, é determinada por fatores peculiares às subjetividades dos indivíduos implicados? Entende-se que, de um lado, as manifestações de aprovação resultam da interveniência de fatores psicológicos de ordem universal, operantes na psique de todos os indivíduos e que, de outro, decorrem da interveniência de fatores sociais, marcadamente enraizados na cultura brasileira. Portanto, no todo o fenômeno resulta da concorrência de fatores socioculturais e fatores psicológicos.
Por causa do privilegiamento desse entrelaçamento de fatores, não são focalizadas peculiaridades das subjetividades individuais em questão. Diversamente, destaca-se o tipo de funcionamento psíquico que é predominante e comum às subjetividades no momento em que os indivíduos se manifestam interagindo com os demais. Instante da interação subjetividade individual e subjetividade coletiva, particularmente quando essa interação desde já denominada intersubjetividade é mediada pelos veículos de comunicação.
Observa-se que a subjetividade aqui considerada não está estruturada e nem funciona exclusivamente com base em processos psíquicos conscientes. Ao contrário, parte-se da concepção de sujeito humano cuja autonomia não é natural e nem integral, mas histórica e, por isso mesmo, relativa (Althusser, 1991). Entende-se que a subjetividade não implica unidade, mas cisão entre processos psíquicos conscientes e processos psíquicos inconscientes (Freud, 1915, v. XIV, p.183-245). Mais do que isso, a análise da aprovação popular às execuções de civis levadas a termo por policiais militares privilegiará os processos inconscientes que concorrem na determinação desse posicionamento político.
O conceito freudiano denominado identificação permite a abordagem do fenômeno porque articula as dimensões sociocultural e subjetiva (Freud, 1921, v. XVIII, p. 87-179; Mezan, 1985, p. 432). Referida à operação psicológica inconsciente que, a um só tempo, constitui a subjetividade individual e propicia os vínculos sociais, ou relações intersubjetivas, a identificação resulta do entrelaçamento de três ordens de fatores: sociocultural, psicológica universal e psicológica individual. Essa perspectiva de análise do psicossocial permite a generalização daquilo que é comum às subjetividades na abordagem do fenômeno intersubjetivo em questão. Feitas essas considerações, seguem-se a contextualização, o relato e a análise dos dois episódios de violência policial extrema, em que a identificação foi verificada na reação da sociedade, em manifestações de aprovação e de rechaço à ação policial.
Algumas questões referentes ao texto acima:
- Com relação aos direitos humanos, são muitos os exemplos de propaganda com ações que combatem a violência, mas desde que isso não implique em retaliações políticas... Juntamente à esse apelo moral, como se articula alterações nas relações sociais?
- Os levantamentos de opinião podem, até que ponto, esclarecer sobre o desenvolvimento e funcionamento do indivíduo e da sociedade ao qual ele está inserido?
- Como a perspectiva de análise do psicossocial permite a generalização daquilo que é comum às subjetividades na abordagem do fenômeno intersubjetivo?
Postagem da Silvana: O multiculturalismo no contexto educacional
O artigo "Pesquisando multiculturalismo e educação: o que dizem as dissertações e teses”, de Ana Canen, Ana Paula Arbache e Monique Franco, nos leva a refletir sobre a necessidade da construção de um currículo multiculturalista na escola, no sentido da valorização de identidades culturais apagadas ou negadas.
O termo multiculturalismo combate o etnocentrismo, ou seja, combate a visão de mundo da sociedade branca dominante que se torna mais importante do que as demais. A política multiculturalista visa resistir à homogeneidade cultural, sobretudo quando esta homogeneidade afirma-se única e legítima, reduzindo outras culturas a particularismos e dependência.
De um lado existe um multiculturalismo de cunho conservador, que busca a conciliação das diferenças com base no mito da harmonia. Esta construção ideológica nega que as relações entre os grupos étnicos são marcadas por antagonismos e conflitos. Sob esta ótica o multiculturalismo encoraja o crescimento da tolerância, mas tolerar não significa acolher ou envolvimento ativo com o outro. Tolerância é o reconhecimento simplificado do outro, é reforço do sentimento de superioridade, significa suportar a existência do outro e de seu pensamento diferente.
De outro lado, existe o multiculturalismo crítico, o qual tendo por base a política cultural da diferença, questiona o monoculturalismo. Ao rejeitar todo o preconceito ou hierarquia, este multiculturalismo baseia-se no respeito ao ponto de vista, às interpretações e atitudes do outro. O reconhecimento do outro tem um significado mais complexo e profundo sob a ótica desse multiculturalismo, as formas de vida do outro são de nosso interesse, ainda que não vivamos essas formas, o respeito pelo outro não admite força, violência ou dominação, admite sim o diálogo, o reconhecimento e a negociação das diferenças.
O multiculturalismo aplicado à prática educacional, oferece oportunidade de um novo modo de compreender e valorizar a diversidade cultural. Mais do que a simples tolerância e integração, o multiculturalismo propõe a interação das várias formas de manifestação cultural, não apenas no que diz respeito aos pontos de semelhança que se verificam entre uma e outra, mas sobretudo no que diz respeito às suas diferenças mais essenciais.
Assim, o multiculturalismo acaba suscitando aquilo que o estudioso de currículo, Tomaz Tadeu da Silva, aponta: “a igualdade não é obtida através da igualdade de acesso a um currículo hegemônico, mas através de uma modificação substancial do currículo existente”.
Indagações para debate:
1 - É importante considerarmos que a escola tem papel fundamental no combate ao preconceito, porque participa da formação das crianças como cidadãos. Ela contribui significativamente para a construção da identidade do indivíduo, pois o ambiente escolar é um espaço da diferença, da diversidade e também de encontros, embates, conflitos... Como a escola vem trabalhando a questão da subjetividade e identidade dos afrodescendentes?
2 - Para muitos pais, alunos e professores, a violência vem de fora da escola, ou seja, a escola é vista como uma vítima de “maus elementos” que a atacam, depredam e roubam. No entanto, a escola também produz a violência no seu cotidiano, é uma violência sutil e invisível. É promovida pelos próprios educadores através de regulamentos opressivos, currículos e sistemas de avaliação inadequados à realidade onde está inserida a escola, medidas e posturas que estigmatizam, discriminam e afastam os alunos. Como é possível modificar estruturas de exclusão social em termos educacionais?
3 – A construção de um currículo multiculturalista não é apenas o festejo do dia do índio, ou discussão sobre políticas de ações afirmativas. Considerando o multiculturalismo crítico no contexto escolar, como construir um currículo que não reproduz padrões, estereótipos, exclusões?
O termo multiculturalismo combate o etnocentrismo, ou seja, combate a visão de mundo da sociedade branca dominante que se torna mais importante do que as demais. A política multiculturalista visa resistir à homogeneidade cultural, sobretudo quando esta homogeneidade afirma-se única e legítima, reduzindo outras culturas a particularismos e dependência.
De um lado existe um multiculturalismo de cunho conservador, que busca a conciliação das diferenças com base no mito da harmonia. Esta construção ideológica nega que as relações entre os grupos étnicos são marcadas por antagonismos e conflitos. Sob esta ótica o multiculturalismo encoraja o crescimento da tolerância, mas tolerar não significa acolher ou envolvimento ativo com o outro. Tolerância é o reconhecimento simplificado do outro, é reforço do sentimento de superioridade, significa suportar a existência do outro e de seu pensamento diferente.
De outro lado, existe o multiculturalismo crítico, o qual tendo por base a política cultural da diferença, questiona o monoculturalismo. Ao rejeitar todo o preconceito ou hierarquia, este multiculturalismo baseia-se no respeito ao ponto de vista, às interpretações e atitudes do outro. O reconhecimento do outro tem um significado mais complexo e profundo sob a ótica desse multiculturalismo, as formas de vida do outro são de nosso interesse, ainda que não vivamos essas formas, o respeito pelo outro não admite força, violência ou dominação, admite sim o diálogo, o reconhecimento e a negociação das diferenças.
O multiculturalismo aplicado à prática educacional, oferece oportunidade de um novo modo de compreender e valorizar a diversidade cultural. Mais do que a simples tolerância e integração, o multiculturalismo propõe a interação das várias formas de manifestação cultural, não apenas no que diz respeito aos pontos de semelhança que se verificam entre uma e outra, mas sobretudo no que diz respeito às suas diferenças mais essenciais.
Assim, o multiculturalismo acaba suscitando aquilo que o estudioso de currículo, Tomaz Tadeu da Silva, aponta: “a igualdade não é obtida através da igualdade de acesso a um currículo hegemônico, mas através de uma modificação substancial do currículo existente”.
Indagações para debate:
1 - É importante considerarmos que a escola tem papel fundamental no combate ao preconceito, porque participa da formação das crianças como cidadãos. Ela contribui significativamente para a construção da identidade do indivíduo, pois o ambiente escolar é um espaço da diferença, da diversidade e também de encontros, embates, conflitos... Como a escola vem trabalhando a questão da subjetividade e identidade dos afrodescendentes?
2 - Para muitos pais, alunos e professores, a violência vem de fora da escola, ou seja, a escola é vista como uma vítima de “maus elementos” que a atacam, depredam e roubam. No entanto, a escola também produz a violência no seu cotidiano, é uma violência sutil e invisível. É promovida pelos próprios educadores através de regulamentos opressivos, currículos e sistemas de avaliação inadequados à realidade onde está inserida a escola, medidas e posturas que estigmatizam, discriminam e afastam os alunos. Como é possível modificar estruturas de exclusão social em termos educacionais?
3 – A construção de um currículo multiculturalista não é apenas o festejo do dia do índio, ou discussão sobre políticas de ações afirmativas. Considerando o multiculturalismo crítico no contexto escolar, como construir um currículo que não reproduz padrões, estereótipos, exclusões?
Postagem da Georgeana - O menino do cavaquinho
A presente proposta de discussão refere-se às inferências e suposições discutidas por Silva Jr. sobre os estudos empíricos com observação direta sobre relações raciais discriminatórias nas escolas. Nesta parte do texto, o autor analisa especificamente cinco estudos, os quais apontam: a presença de “aspectos extremamente discriminatórios e estigmatizantes de crianças negras, desde a mais tenra infância” (p. 42); a preservação de valores morais e sociais atribuídos ao grupo branco pela maioria das crianças brancas e negras já na Educação Infantil; o silêncio de professores em sala de aula diante de atos discriminatórios e as questões psicológicas comprometedora do desenvolvimento do indivíduo advindas da discriminação latente que “formam um sistema afetivo auto-atribuído que vai da vergonha de ser negro até a desvalorização de si mesmo” (p. 44).
Uma experiência relatada por dois alunos de Estágio Supervisionado de Licenciatura em Música da UEPG apóia e articula-se perfeitamente com as observações de Silva Jr. Durante uma atividade de ensino musical na Educação Infantil (faixa etária 4 anos) em uma escola pública, os estagiários apresentaram figuras que remetiam a fazeres musicais contendo personagens e instrumentos cujos timbres seriam explorados:
Quando F. mostrou uma figura que trazia uma criança negra tocando cavaquinho, um dos alunos reagiu com agressividade dizendo que aquela figura era de um 'pretinho muito feio'. Isso nos causou grande susto e até mesmo falta de atitude, pois, como repreender uma criança que nem sequer conhecemos e da qual só temos a responsabilidade de tentar ensinar música? (Relatório de Estágio 2008)
As discussões que se seguiram no momento de reflexão após a prática, versaram sobre a importância do tema na formação de professores em todas as áreas de conhecimento, tomando-se por base o despreparo tanto dos estagiários quanto da professora responsável pela turma, que diante do incidente “não manifestou nem sequer um comentário”. Um dos estagiários ainda relatou ter se sentido muito mal, uma vez que ele é negro e que entre os alunos estava presente um aluno negro.
Silva Jr., ao considerar os resultados dos estudos compilados, parte da constatação de que a escola “é, [...] um preditor de destinos [...], segundo a raça-cor do alunado, repercutindo sobre sua vida social e intrapsíquica”, sendo um “desencadeador ou um entrave ao seu pleno desenvolvimento”. De fato, considerada a complexidade das relações sociais e afetivas que se desenvolvem no ambiente escolar, tal afirmação torna-se irrefutável, porém, diante da experiência acima relatada, cabe ainda refletir sobre qual seria o impacto da família e o peso dos valores e estereótipos inculcados no indivíduo em seu meio e convívio sócio-familiar trazidos por ele para a escola. Ainda que propostas de políticas educacionais direcionadas para a igualdade de oportunidades e de tratamento no sistema de ensino sejam realmente concretizadas no ambiente escolar, seria também possível à escola contribuir e influir para a conscientização e educação dos personagens do entorno familiar e social do aluno?
Uma experiência relatada por dois alunos de Estágio Supervisionado de Licenciatura em Música da UEPG apóia e articula-se perfeitamente com as observações de Silva Jr. Durante uma atividade de ensino musical na Educação Infantil (faixa etária 4 anos) em uma escola pública, os estagiários apresentaram figuras que remetiam a fazeres musicais contendo personagens e instrumentos cujos timbres seriam explorados:
Quando F. mostrou uma figura que trazia uma criança negra tocando cavaquinho, um dos alunos reagiu com agressividade dizendo que aquela figura era de um 'pretinho muito feio'. Isso nos causou grande susto e até mesmo falta de atitude, pois, como repreender uma criança que nem sequer conhecemos e da qual só temos a responsabilidade de tentar ensinar música? (Relatório de Estágio 2008)
As discussões que se seguiram no momento de reflexão após a prática, versaram sobre a importância do tema na formação de professores em todas as áreas de conhecimento, tomando-se por base o despreparo tanto dos estagiários quanto da professora responsável pela turma, que diante do incidente “não manifestou nem sequer um comentário”. Um dos estagiários ainda relatou ter se sentido muito mal, uma vez que ele é negro e que entre os alunos estava presente um aluno negro.
Silva Jr., ao considerar os resultados dos estudos compilados, parte da constatação de que a escola “é, [...] um preditor de destinos [...], segundo a raça-cor do alunado, repercutindo sobre sua vida social e intrapsíquica”, sendo um “desencadeador ou um entrave ao seu pleno desenvolvimento”. De fato, considerada a complexidade das relações sociais e afetivas que se desenvolvem no ambiente escolar, tal afirmação torna-se irrefutável, porém, diante da experiência acima relatada, cabe ainda refletir sobre qual seria o impacto da família e o peso dos valores e estereótipos inculcados no indivíduo em seu meio e convívio sócio-familiar trazidos por ele para a escola. Ainda que propostas de políticas educacionais direcionadas para a igualdade de oportunidades e de tratamento no sistema de ensino sejam realmente concretizadas no ambiente escolar, seria também possível à escola contribuir e influir para a conscientização e educação dos personagens do entorno familiar e social do aluno?
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Postagem da Letícia - PENSANDO UMA EDUCAÇÃO PARA A IGUALDADE RACIAL
O autor apresenta neste capítulo Ações Prioritárias a serem desenvolvidas no âmbito da Educação: Ações Complementares; Formação/Capacitação de Docentes; Conteúdos (Seleção e Produção de Materiais Didáticos e Paradidáticos); Ensino Superior (Acesso e Permanência e Centros de Pesquisa).
Em relação às Ações Complementares o autor sugere a inclusão no Programa Bolsa-Escola (MEC, 1992) adotado nos municípios, de levantamento “das desvantagens experimentadas pelas famílias negras, engendrando mecanismos compensatórios que as corrijam” (p.73). Além desta medida, diante da perversa relação existente entre fracasso escolar e discriminação racial, o investimento na formação dos educadores e a seleção e produção de materiais didáticos e paradidáticos, em nível nacional, estadual e municipal contribuiriam de forma articulada para o acesso e permanência da população negra na universidade. Defende a política de cotas nas universidades para a população negra como medida eficaz na redução da desigualdade racial entre brancos e negros no país.
No texto “Os desafios educacionais contemporâneos e os conteúdos escolares: reflexos na organização da proposta pedagógica curricular e a especificidade da escola pública”, organizado pela Coordenação de Gestão Escolar da SEED para a Semana Pedagógica (julho, 2008) destacou-se: Em síntese, tanto os conhecimentos universais como os desafios do cotidiano (violência, preconceito, drogas) podem e devem ser discutidos como expressões históricas, políticas e econômicas da realidade. Tornam-se parte do conteúdo e portanto, da proposta pedagógica curricular quando e se inerentes à compreensão dos mesmos na totalidade e são desafios do cotidiano, que conduzem o coletivo escolar a buscar os fundamentos conceituais sobre os mesmos, entendendo-os nas dimensões históricas, sociais, políticas e econômicas, suscitando a busca por suportes concretos, dada a compreensão dos mesmos em sua concretude ( SEED,p.13).
No portal dia a dia educação da SEED encontramos a seguinte notícia:
SEMINÁRIO DISCUTE POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE EM FAXINAL DO CÉU
Nesta segunda-feira (4) tem início o 1º Seminário Estadual de Educação e Diversidade da Secretaria da Educação (Seed). O evento, que acontece no Centro de Formação Continuada de Faxinal do Céu, no município de Pinhão, tem como objetivo debater, elaborar proposições e diretrizes das políticas públicas de educação e diversidade no Paraná. Com a participação de 700 pessoas, entre educadores, lideranças de movimentos sociais e organizações populares, o seminário vai até quinta-feira (7).
Para Wagner Roberto do Amaral, chefe do Departamento da Diversidade da Secretaria da Educação (Seed), o seminário é uma oportunidade para debater as diretrizes político-pedagógicas que vem se construindo em torno das políticas públicas que estão sendo implantadas no estado do Paraná. “O seminário pretende identificar quais as estratégias e ações necessárias para disseminar e instituir políticas de educação e diversidade no Paraná”, comenta.
Com o tema “Políticas públicas de educação e diversidade, perspectivas e sujeitos”, Amaral ressalta sobre a importância que as unidades da rede pública estadual de ensino insiram efetivamente os sujeitos que se encontram na diversidade, garantindo a permanência, a continuidade e a conclusão dos estudos sem discriminação ou preconceitos. “Queremos que todas as escolas discutam questões de inclusão e do respeito à diversidade no currículo e na organização do espaço escolar”, explica.
Durante o seminário serão desenvolvidas oficinas que abordam os seguintes eixos temáticos: escola, diversidade e preconceito; currículo e diversidades; movimentos sociais, participação popular e gestão democrática; formação de educadores e diversidades; educação continuada, trabalho e diversidades; materiais de apoio didático-pedagógicos e os diferentes sujeitos; a universalização da educação básica para a diversidade; e diversidade e tecnologia educacional.
O seminário contempla para discussões como diferentes sujeitos da diversidade presentes na educação os povos indígenas; populações negras; agricultores familiares, assalariados rurais temporários e pessoas dos acampamentos e assentamentos da reforma agrária; faxinalenses; ilhéus e ribeirinhos, quilombolas, jovens, adultos e idosos não alfabetizados; lésbicas, gays, travestis e transexuais.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/noticias/. php?storyid=928. Acesso em 28/05/09
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
Em que medida ações complementares como a proposta por Nédio (abrangendo as famílias negras); práticas pedagógicas, formação de docentes e articulação escola/sociedade civil na educação básica relacionam-se à política afirmativa de cotas para a população negra nas universidades no que diz respeito ao seu ingresso e permanência?
Na construção de políticas públicas de educação para a população negra, quais ações você consideraria prioritárias?
Em relação às Ações Complementares o autor sugere a inclusão no Programa Bolsa-Escola (MEC, 1992) adotado nos municípios, de levantamento “das desvantagens experimentadas pelas famílias negras, engendrando mecanismos compensatórios que as corrijam” (p.73). Além desta medida, diante da perversa relação existente entre fracasso escolar e discriminação racial, o investimento na formação dos educadores e a seleção e produção de materiais didáticos e paradidáticos, em nível nacional, estadual e municipal contribuiriam de forma articulada para o acesso e permanência da população negra na universidade. Defende a política de cotas nas universidades para a população negra como medida eficaz na redução da desigualdade racial entre brancos e negros no país.
No texto “Os desafios educacionais contemporâneos e os conteúdos escolares: reflexos na organização da proposta pedagógica curricular e a especificidade da escola pública”, organizado pela Coordenação de Gestão Escolar da SEED para a Semana Pedagógica (julho, 2008) destacou-se: Em síntese, tanto os conhecimentos universais como os desafios do cotidiano (violência, preconceito, drogas) podem e devem ser discutidos como expressões históricas, políticas e econômicas da realidade. Tornam-se parte do conteúdo e portanto, da proposta pedagógica curricular quando e se inerentes à compreensão dos mesmos na totalidade e são desafios do cotidiano, que conduzem o coletivo escolar a buscar os fundamentos conceituais sobre os mesmos, entendendo-os nas dimensões históricas, sociais, políticas e econômicas, suscitando a busca por suportes concretos, dada a compreensão dos mesmos em sua concretude ( SEED,p.13).
No portal dia a dia educação da SEED encontramos a seguinte notícia:
SEMINÁRIO DISCUTE POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE EM FAXINAL DO CÉU
Nesta segunda-feira (4) tem início o 1º Seminário Estadual de Educação e Diversidade da Secretaria da Educação (Seed). O evento, que acontece no Centro de Formação Continuada de Faxinal do Céu, no município de Pinhão, tem como objetivo debater, elaborar proposições e diretrizes das políticas públicas de educação e diversidade no Paraná. Com a participação de 700 pessoas, entre educadores, lideranças de movimentos sociais e organizações populares, o seminário vai até quinta-feira (7).
Para Wagner Roberto do Amaral, chefe do Departamento da Diversidade da Secretaria da Educação (Seed), o seminário é uma oportunidade para debater as diretrizes político-pedagógicas que vem se construindo em torno das políticas públicas que estão sendo implantadas no estado do Paraná. “O seminário pretende identificar quais as estratégias e ações necessárias para disseminar e instituir políticas de educação e diversidade no Paraná”, comenta.
Com o tema “Políticas públicas de educação e diversidade, perspectivas e sujeitos”, Amaral ressalta sobre a importância que as unidades da rede pública estadual de ensino insiram efetivamente os sujeitos que se encontram na diversidade, garantindo a permanência, a continuidade e a conclusão dos estudos sem discriminação ou preconceitos. “Queremos que todas as escolas discutam questões de inclusão e do respeito à diversidade no currículo e na organização do espaço escolar”, explica.
Durante o seminário serão desenvolvidas oficinas que abordam os seguintes eixos temáticos: escola, diversidade e preconceito; currículo e diversidades; movimentos sociais, participação popular e gestão democrática; formação de educadores e diversidades; educação continuada, trabalho e diversidades; materiais de apoio didático-pedagógicos e os diferentes sujeitos; a universalização da educação básica para a diversidade; e diversidade e tecnologia educacional.
O seminário contempla para discussões como diferentes sujeitos da diversidade presentes na educação os povos indígenas; populações negras; agricultores familiares, assalariados rurais temporários e pessoas dos acampamentos e assentamentos da reforma agrária; faxinalenses; ilhéus e ribeirinhos, quilombolas, jovens, adultos e idosos não alfabetizados; lésbicas, gays, travestis e transexuais.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/noticias/. php?storyid=928. Acesso em 28/05/09
QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
Em que medida ações complementares como a proposta por Nédio (abrangendo as famílias negras); práticas pedagógicas, formação de docentes e articulação escola/sociedade civil na educação básica relacionam-se à política afirmativa de cotas para a população negra nas universidades no que diz respeito ao seu ingresso e permanência?
Na construção de políticas públicas de educação para a população negra, quais ações você consideraria prioritárias?
Marcadores:
brasilidade,
identidade,
inclusão educacional,
políticas afirmativas
Postagem da Helaine - EDUCAÇÃO E RACISMO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
O texto em análise cuida de um tema de fundamental importância na formação moral, intelectual dos alunos.
É atribuição da escola disseminar a convivência pacífica entre as inúmeras raças, etnias e cultura que forma o povo brasileiro. Destarte trata também da tolerância e sobretudo da pacificação dos diferentes pensamentos que compõem a diversificação cultural das sociedades humanas. É de se entender que a conduta de uma pessoa ou de uma classe de pessoas que atente aos princípios da tolerância e da pacificidade já referidos, deve ser sancionado pelo Estado.
Para atender ao seu mister o Estado através do Poder Legislativo, criou normas de conduta não discriminatória que devem ser observadas pelo sistema de ensino público, bem como, o privado.
Existem normas de caráter constitucional que tutelam a igualdade de tratamento oferecida pela instituição de ensino aos alunos como o referido artigo 205 da Carta Magna, onde estabelece que: “a educação é direito de todos e dever do Estado”. Corroborando com este preceito, outros dispositivos constitucionais são concernentes ao mesmo tema, o artigo 206 estabelece princípios que devem ser obedecidos para o atingimento da finalidade proposta: o princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, veda qualquer distinção de classe ou raça para o acesso à educação formal oferecida pelo Estado, bem como, é dever do Estado e de todo cidadão, o respeito ao “pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” estatuída no inciso III do artigo supra mencionado.
Outros artigos da Constituição compartilham do mesmo entendimento, qual seja a diversidade cultural, encontrada nos bancos escolares de todas as instituições de ensino, de todos os níveis, é em grande medida a maior contribuição para formação moral e de caráter, assim como, para a extirpação de qualquer vestígio de racismo, intolerância e segregacionismo que possa compor a índole de cada aluno individualmente, que infelizmente ainda persiste em sobreviver nos dias atuais.
A par do contido na Carta Magna, os tratados internacionais ratificados pelo estado brasileiro, igualmente dispõem sobre este tema, o que leva ao entendimento de que a luta contra a discriminação e a segregação não é uma empreitada exclusivamente brasileira, grande parte dos Estados soberanos do mundo laboram na busca da pacificação cultural e ideológica através da tolerância e da convivência pacífica.
O Estado brasileiro por sua vez, adotou grande parte dos tratados internacionais anti discriminatórios, dando a eles força de lei dentro do território nacional.
Em que pese a discordância entre juristas e doutrinadores, se um tratado internacional adotado pelo Brasil tem força de norma constitucional, ou de norma infra constitucional, cumpre asseverar que qualquer que seja a corrente majoritária, deve ser respeitada e aplicada pelas instituições de ensino de todo o país, quer sejam públicas ou privadas.
O descumprimento pela instituição de ensino, dos preceitos referidos, que venha a provocar prejuízo econômico ou moral a alguém que imponha a essa pessoa, abalo de sentimento, angústia, mágoa ou qualquer sofrimento, permite a essa pessoa, socorrer-se do poder judiciário para ver reparado o prejuízo sofrido, quer moral, quer patrimonial, bem como, em alguns casos, impõe a responsabilidade criminal ao agente causador do dano.
Cumpre ao Estado proteger, sobretudo a criança e o adolescente, tendo em vista sua incapacidade, quer absoluta, quer relativa. Nesta seara criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990), que destaca em seu artigo 5°: “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais”.
O princípio do respeito à liberdade e apreço à tolerância foi igualmente recepcionado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de modo que, resta patente a índole nacional voltada ao convívio pacífico e harmonioso, não entre pessoas, mas sobretudo entre diferentes pensamentos, ideologias, credos e raças, entronizando o princípio fundamental da igualdade entre os povos.
A este respeito, o direito fundamental constitucional assim reza em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante e lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”
A paz em um povo e entre os povos não pode ser alcançada sem que seja observado e respeitado os preceitos elencados neste artigo da Carta Constitucional brasileira.
No entanto, não se observa um clima harmonioso e pacífico nas instituições de ensino que são permeadas por conflitos muitas vezes oriundos de atitudes discriminatórias. Então surgem os seguintes questionamentos:
• Que política a escola deve adotar, para evitar esse tipo de conflito?
• Quais as estratégias de mediação de conflitos discriminatórios mais adequadas no ambiente escolar?
Em relação ao ensino superior, o sistema de quotas é motivo de grandes debates. Neste caso, fica estabelecida outra questão:
• O sistema de quotas pode ser considerado discriminatório?
Postagem da Elismara Zaias sobre a Discriminação racial nas escolas
SILVA Jr., H. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais. Brasília: Unesco, 2002.
Refletindo sobre a obra de Hédio Silva Júnior: “Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais”, podemos perceber a importância desse ensaio para as discussões da questão racial no espaço escolar.
No decorrer do texto o autor aponta alguns possíveis fatores macrossociais que poderiam interferir e excluir a criança negra da igualdade de oportunidades (mesmo tendo frequentado por um longo período o ambiente escolar), tais como: a) democratização do ensino que priorizou a quantidade em detrimento da qualidade, falta de uma estrutura adequada e falha formação do professorado; b) evasão escolar acentuada do negro. Em virtude disso, pensam-se na política de ciclos na modalidade de progressão continuada (sem reprovação), o que não garantiu um ensino de qualidade, causando um descontentamento por parte de pais, professores e alunos; c) atitudes preconceituosas e práticas discriminatórias na inclusão de crianças com problemas de aprendizagem em classes regulares, e a suposição equivocada de que as crianças negras têm menos inteligência que as demais.
O pesquisador faz uma crítica aos PCNs por tratarem os temas transversais (pluralidade cultural, por exemplo) como um aspecto que deve “atravessar” as disciplinas. Em virtude disso, abre-se a possibilidade da escola trabalhar como algo alternativo e não fundamental.
Ao tratar sobre o livro didático, o autor o reconhece como meio de veiculação de racismo, tanto por meio do discurso como pelas imagens. Destaca as possibilidades e dificuldades da inclusão de conteúdos que tratem sobre o negro para o estudo na escola, como por exemplo, a inclusão da história da África. Ressalta que a sistemática negação e a visão estereotipada dos negros é um dos mecanismos mais violentos vividos na escola e um dos fatores que mais contribuem para a eliminação da criança negra.
Cabe pensarmos até que ponto a escola está cumprindo seu papel como instância educativa na qual respeita e preserva a diversidade cultural. Falamos tanto que os professores não estão preparados para lidar com as crianças com necessidades especiais, que não têm formação, aí com a criança negra é a mesma coisa? Não se sabe trabalhar com alguém que tenha a pele diferente do branco? Culpabilizamos nosso “preconceito” com chavões de que não estamos preparados? Que tipo de cidadãos estamos formando nos bancos escolares?
Vivemos em uma sociedade em que o discurso ao respeito à diversidade sempre está presente, porém na prática o que observamos são mecanismos de exclusão da pele negra impedindo-a de possuir respeito e dignidade como cidadão. Sabemos que isso é uma questão histórica de preconceito e classificação de “menor status” do negro, que carrega resquícios até hoje. O que falta é proporcionar visibilidade e criar mecanismos notórios com relação à estas questões, para que a escola não se torne um meio de disseminação do preconceito, mas sim uma forma de superá-lo.
Marcadores:
educação,
identidade,
inclusão educacional
O negro no mundo dos brancos
Agora que já vimos um pouco da compreensão de Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro sobre o que é e o que faz o Brasil, um sociólogo dos mais importantes para entender o que é o nosso país (e como a educação acaba por funcionar nele) é Florestan Fernandes. Na introdução de "O negro no mundo dos brancos", Fernandes indica que nossa sociedade foi feita para uso e gozo das elites brancas e dos colonizadores estrangeiros. A integração do negro nela só se dá na medida em que ele se descaracterize cultural e socialmente.
Isso faz lembrar um antigo quadro do Casseta e Planeta (desculpem minha falta de cerimônia) em que o negro da turma, o Hélio de La Peña, ia a uma passeata pela paz, na qual tinha que ir "vestido de branco", e aí o repórter perguntava por que ele não estava vestido de branco, e ele reclamava: "- Como assim? Olha só: sapato, calça social, camisa de manga comprida por dentro da calça... Claro que eu tê vestido de branco!". O Florestan Fernandes discute assim:
"Que equilfbrio podem ter o "negro" e o "mulato" se são expostos, por princípio e como condição de rotina, a formas de auto-afirmação que são, ao mesmo tempo, formas de autonegação? No cume da ascensão social ou no fim de um longo processo de aperfeiçoamento
constante, o indivíduo descobre que extrai o seu próprio valor, e o reconhecimento desse valor pelos outros, daquilo em que ele não é, decididamente, nem negro nem mulato - mas BRANCO! Para os analistas superficiais, esse imperialismo da branquitude é normal e necessário. Isso porque fomos levados a crer que a integração nacional do Brasil depende dessa forma unilateral de realizar a nossa unidade nacional. Nunca tentamos pensar numa direção diversa e imaginar como poderia ser essa mesma unidade se, em vez de integrar por exclusão, ela integrasse por multiplicação." (O negro no mundo dos brancos, p. 15)
O que eu quero propor para discussão é quais as consequências que essa situação traz para a educação do negro, e como nossas escolas participam ou deixam de participar desse processo.
Marcadores:
brasilidade,
democracia racial,
identidade,
inclusão educacional,
negritude,
usos do passado
terça-feira, 26 de maio de 2009
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
Uma das críticas ao debate sobre a identidade do Brasil é o chamado "mito das três raças". Ao identificar a ideia de que o Brasil resulta da união de negros, brancos e índios, e classificar essa leitura como um mito (em outras palavras, uma construção não-racional destinada a produzir identificação e subserviência a uma origem e a uma ordem que dela decorre) a crítica se estabelece.
D.R. é ambíguo nesse aspecto, pois, se por um lado usa essa estrutura explicativa, por outro vai além da versão mais conservadora que vê no português uma matriz predominante e decisiva, à qual somam-se alguns penduricalhos culturais secundários de negros e índios. Compreende que todos se modificam, e portanto a herança portuguesa não é mais herança portuguesa, porque se transformou radicalmente com a força da cultura viva de negros e índios, heterogêneos e diversos entre si, que também se alteram radicalmente. Não se trata de alguma coisa que se agregou como acessório, mas algo que está em tudo o que se faz aqui.
Uma das críticas ao debate sobre a identidade do Brasil é o chamado "mito das três raças". Ao identificar a ideia de que o Brasil resulta da união de negros, brancos e índios, e classificar essa leitura como um mito (em outras palavras, uma construção não-racional destinada a produzir identificação e subserviência a uma origem e a uma ordem que dela decorre) a crítica se estabelece.
D.R. é ambíguo nesse aspecto, pois, se por um lado usa essa estrutura explicativa, por outro vai além da versão mais conservadora que vê no português uma matriz predominante e decisiva, à qual somam-se alguns penduricalhos culturais secundários de negros e índios. Compreende que todos se modificam, e portanto a herança portuguesa não é mais herança portuguesa, porque se transformou radicalmente com a força da cultura viva de negros e índios, heterogêneos e diversos entre si, que também se alteram radicalmente. Não se trata de alguma coisa que se agregou como acessório, mas algo que está em tudo o que se faz aqui.
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro - Porque o Brasil ainda não deu certo?
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
Conversamos que pode ser que a questão que motiva essa grande síntese de D.R. (por que o Brasil ainda não deu certo) não se coloque desse modo. Não "dar certo" pode ter significado a única alternativa de sobrevivência coletiva diante das condições impostas para colonizadores e colonizados. Mas se aceitamos que ainda falta o Brasil realizar suas potencialidades, a resposta é bem parecida com aquela que Sérgio B. de Holanda (em Raízes do Brasil) aponta, ou seja, o Brasil nunca existiu em função de seu povo; pelo contrário, existiu para "gastar gente" fazendo girar o mecanismo que alimentou o mercado mundial e enriqueceu as elites locais, culturalmente voltadas para a Europa e de costas para seu povo. D.R. indica que as grandes cidades coloniais e imperiais, os grandes intelectuais e artistas brasileiros de nada valeram, em comparação com os Estados Unidos (a "América"), para que o Brasil "desse certo" afinal no século XX, porque nada disso era expressão do povo ou voltado a beneficiá-lo e engrandecê-lo.
Por outro lado, o povo precisa negar sua "ninguemdade", assumir-se e valorizar-se. Mas ainda não há em D.R. a mesma perspectiva que há em S.B.H. de que nos realizamos quando esse povo tomar o poder, independentemente das classes médias e da intelectualidade. Penso que D.R. vê a oposição entre povo e não-povo, colocando-se no primeiro polo, enquanto podemos entender que intelectualidade e a classe média não têm expressão em si, sendo pendentes para apoiar ou o povo, ou as elites. Como o usual é apoiar - e querer ser como - a elite, a perspectiva é que o povo tem que fazer-se, sem precisar ou mesmo apesar da classe média e dos intectuais. Essa seria a perspectiva nascida nos anos 70, nas Comunidades Eclesiais de Base, no Novo Sindicalismo e na esquerda comunista não-ortodoxa, por sinal as três bases do surgimento do PT (do qual Sérgio B. de Holanda e Paulo Freire foram fundadores).
Conversamos que pode ser que a questão que motiva essa grande síntese de D.R. (por que o Brasil ainda não deu certo) não se coloque desse modo. Não "dar certo" pode ter significado a única alternativa de sobrevivência coletiva diante das condições impostas para colonizadores e colonizados. Mas se aceitamos que ainda falta o Brasil realizar suas potencialidades, a resposta é bem parecida com aquela que Sérgio B. de Holanda (em Raízes do Brasil) aponta, ou seja, o Brasil nunca existiu em função de seu povo; pelo contrário, existiu para "gastar gente" fazendo girar o mecanismo que alimentou o mercado mundial e enriqueceu as elites locais, culturalmente voltadas para a Europa e de costas para seu povo. D.R. indica que as grandes cidades coloniais e imperiais, os grandes intelectuais e artistas brasileiros de nada valeram, em comparação com os Estados Unidos (a "América"), para que o Brasil "desse certo" afinal no século XX, porque nada disso era expressão do povo ou voltado a beneficiá-lo e engrandecê-lo.
Por outro lado, o povo precisa negar sua "ninguemdade", assumir-se e valorizar-se. Mas ainda não há em D.R. a mesma perspectiva que há em S.B.H. de que nos realizamos quando esse povo tomar o poder, independentemente das classes médias e da intelectualidade. Penso que D.R. vê a oposição entre povo e não-povo, colocando-se no primeiro polo, enquanto podemos entender que intelectualidade e a classe média não têm expressão em si, sendo pendentes para apoiar ou o povo, ou as elites. Como o usual é apoiar - e querer ser como - a elite, a perspectiva é que o povo tem que fazer-se, sem precisar ou mesmo apesar da classe média e dos intectuais. Essa seria a perspectiva nascida nos anos 70, nas Comunidades Eclesiais de Base, no Novo Sindicalismo e na esquerda comunista não-ortodoxa, por sinal as três bases do surgimento do PT (do qual Sérgio B. de Holanda e Paulo Freire foram fundadores).
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro - o Brasil pré-existente a Cabral
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
D.R. dedica um dos primeiros capítulos da obra à "Ilha Brasil", idéia de que o país antecede a sua descoberta pelos portugueses e sua invenção pelos brasileiros depois da independência. Indica para isso razões geográficas e humanas, indicando os tupis como responsáveis pelo rascunho geográfico do país. Duas coisas decorrem disso:
a) Sua visão do Brasil acaba fortemente condicionada pela sua percepção patriótica. Para o nacionalismo, quanto mais antiga puder ser a nação imaginada, mais legitimidade terá o apelo nacional sobre as pessoas. O problema é que, do ponto de vista da Antropologia de meados do século XX para a frente, falar em Brasil antes de 1500 - eu acho que antes de 1822 - é uma forma de anacronismo e de etnocídio, pois reduz a experiência indígena pré-cabralina ao "destino" que a abarcou com a chegada dos portugueses, ou seja, reduz o índio à civilização dos brancos.
b) A visão de nação de nação que D.R. está praticando é mais culturalista que política, a nação parece decorrer muito mais da terra e do sangue do que das escolhas conscientes e voluntárias dos seus cidadãos. Assim, a nação se impõe e limita as opções do sujeito, e o nacionalismo pode ser usado como arma de manipulação de massas ou como recurso de limitar o pensamento e as opções. É interessante pensar que outro sujeito que partilha essa idéia de um Brasil telúrico, pré-existente, esperando para acontecer, é Golbery do Couto e Silva, ideólogo principal do regime militar, que derrotou a tendência política e a geração de D.R.
D.R. dedica um dos primeiros capítulos da obra à "Ilha Brasil", idéia de que o país antecede a sua descoberta pelos portugueses e sua invenção pelos brasileiros depois da independência. Indica para isso razões geográficas e humanas, indicando os tupis como responsáveis pelo rascunho geográfico do país. Duas coisas decorrem disso:
a) Sua visão do Brasil acaba fortemente condicionada pela sua percepção patriótica. Para o nacionalismo, quanto mais antiga puder ser a nação imaginada, mais legitimidade terá o apelo nacional sobre as pessoas. O problema é que, do ponto de vista da Antropologia de meados do século XX para a frente, falar em Brasil antes de 1500 - eu acho que antes de 1822 - é uma forma de anacronismo e de etnocídio, pois reduz a experiência indígena pré-cabralina ao "destino" que a abarcou com a chegada dos portugueses, ou seja, reduz o índio à civilização dos brancos.
b) A visão de nação de nação que D.R. está praticando é mais culturalista que política, a nação parece decorrer muito mais da terra e do sangue do que das escolhas conscientes e voluntárias dos seus cidadãos. Assim, a nação se impõe e limita as opções do sujeito, e o nacionalismo pode ser usado como arma de manipulação de massas ou como recurso de limitar o pensamento e as opções. É interessante pensar que outro sujeito que partilha essa idéia de um Brasil telúrico, pré-existente, esperando para acontecer, é Golbery do Couto e Silva, ideólogo principal do regime militar, que derrotou a tendência política e a geração de D.R.
O povo brasileiro - Darcy Ribeiro - o Brasil e o futuro
(Esse post é parte das atividades da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos da Educação, do Mestrado em Educação da UEPG)
O primeiro elemento que me chama a atenção é a idéia de D.R. de que o brasileiro é aberto ao futuro:
" É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos. Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se
apegam a nenhum passado. Estamos abertos é para o futuro. " (p. 419 - edição de bolso da Companhia das Letras, 2006)
Essa idéia parece compatível com o relativo apreço que temos pelo novo (até no nome dos regimes políticos) e a pouca importância que damos ao patrimônio histórico, inclusive imaterial. O politólogo Alain Rouquié aponta essa mesma percepção:
"-Brasil es todo lo contrario de la Argentina. En la Argentina la gente se acuerda de todo. Es el país de la memoria. La Argentina es el país de "Funes el memorioso". Por el contrario, Brasil es el país de la antimemoria. El país del olvido. Brasil se olvidó de la dictadura. Es verdad que esa dictadura no fue feroz. Las cosas en Brasil se fueron modificando en forma paulatina y serena. El Perón brasileño, Getulio Vargas, ya es parte de la historia. Nadie se declara hoy "getulista", a pesar de que Vargas (1937-1945) hizo prácticamente lo mismo que Perón en lo bueno y en lo malo. En Brasil la historia continúa. Esa es la gran diferencia. La diferencia radica en la actitud que se tiene frente a la historia. Esa es la característica argentina: la historia nunca es definitiva. Su revisión ocupa el centro de la vida intelectual. Un revisionista encuentra siempre otro revisionista que dice "no estoy de acuerdo con eso". (Entrevista ao jornal "La Nación" de 26/10/2008)
Cabe-nos decidir se isso é um problema ou uma vantagem. Acho que para os argentinos, sua característica de ligação com o passado é em grande parte uma desvantagem, embora nos ofereça um patrimônio histórico belíssimo preservado, e não necessariamente pela ação do poder público, mas pela ação do povo mesmo, ao não destruir os edifícios já feitos por vandalismo ou por busca de lucro.
O primeiro elemento que me chama a atenção é a idéia de D.R. de que o brasileiro é aberto ao futuro:
" É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos. Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se
apegam a nenhum passado. Estamos abertos é para o futuro. " (p. 419 - edição de bolso da Companhia das Letras, 2006)
Essa idéia parece compatível com o relativo apreço que temos pelo novo (até no nome dos regimes políticos) e a pouca importância que damos ao patrimônio histórico, inclusive imaterial. O politólogo Alain Rouquié aponta essa mesma percepção:
"-Brasil es todo lo contrario de la Argentina. En la Argentina la gente se acuerda de todo. Es el país de la memoria. La Argentina es el país de "Funes el memorioso". Por el contrario, Brasil es el país de la antimemoria. El país del olvido. Brasil se olvidó de la dictadura. Es verdad que esa dictadura no fue feroz. Las cosas en Brasil se fueron modificando en forma paulatina y serena. El Perón brasileño, Getulio Vargas, ya es parte de la historia. Nadie se declara hoy "getulista", a pesar de que Vargas (1937-1945) hizo prácticamente lo mismo que Perón en lo bueno y en lo malo. En Brasil la historia continúa. Esa es la gran diferencia. La diferencia radica en la actitud que se tiene frente a la historia. Esa es la característica argentina: la historia nunca es definitiva. Su revisión ocupa el centro de la vida intelectual. Un revisionista encuentra siempre otro revisionista que dice "no estoy de acuerdo con eso". (Entrevista ao jornal "La Nación" de 26/10/2008)
Cabe-nos decidir se isso é um problema ou uma vantagem. Acho que para os argentinos, sua característica de ligação com o passado é em grande parte uma desvantagem, embora nos ofereça um patrimônio histórico belíssimo preservado, e não necessariamente pela ação do poder público, mas pela ação do povo mesmo, ao não destruir os edifícios já feitos por vandalismo ou por busca de lucro.
sábado, 23 de maio de 2009
A didática na reflexão histórica
Klaus Bergmann teve um texto traduzido em 1992 na Revista Brasileira de História intitulado "A história na reflexão didática". É um texto seminal, pois podemos dizer que ele foi um dos responsáveis por introduzir a ideia de consciência histórica na discussão historiográfica e do ensino de História de hoje em dia.
Avalio que estamos no momento de produzir um novo texto, que pode ter o título de "A didática na reflexão histórica", esclarecendo aos colegas historiadores stricto sensu as várias oportunidades em que a reflexão teórica e metodológica sobre seus conteúdos de trabalho cotidiano significam também uma reflexão sobre o papel educacional das ideias históricas. Com isso, a formação de professores de história vai se beneficiar com parte da tão propalada integração entre a pesquisa e o ensino e entre a teoria e a prática.
Exemplos?
- Pré-história: o uso eurocêntrico e colonialista do conceito. A possibilidade de trabalhar a ideia de relativismo cultural ao ensinar esse período. A importância desse momento privilegiado na relação entre homem e natureza, e o surgimento da cultura.
- Antiguidade: interessa, para a atualidade, o estudo de civilizações desaparecidas? Até que ponto essas sociedades deixam marcas ainda visíveis e importantes hoje? Quando e por que começou o interesse contemporâneo pelas civilizações antigas? Conhecer outras formas de vida em sociedade pode ser encarado como uma oportunidade fundamental para acumular conhecimentos que permitem questionar e avaliar nossa própria forma de vida em sociedade. E por último, mas não menos importante, o significado da erudição - geralmente associada a conhecimentos que não tem uso prático - para a composição do patrimônio cultural e para o refinamento do gosto.
Avalio que estamos no momento de produzir um novo texto, que pode ter o título de "A didática na reflexão histórica", esclarecendo aos colegas historiadores stricto sensu as várias oportunidades em que a reflexão teórica e metodológica sobre seus conteúdos de trabalho cotidiano significam também uma reflexão sobre o papel educacional das ideias históricas. Com isso, a formação de professores de história vai se beneficiar com parte da tão propalada integração entre a pesquisa e o ensino e entre a teoria e a prática.
Exemplos?
- Pré-história: o uso eurocêntrico e colonialista do conceito. A possibilidade de trabalhar a ideia de relativismo cultural ao ensinar esse período. A importância desse momento privilegiado na relação entre homem e natureza, e o surgimento da cultura.
- Antiguidade: interessa, para a atualidade, o estudo de civilizações desaparecidas? Até que ponto essas sociedades deixam marcas ainda visíveis e importantes hoje? Quando e por que começou o interesse contemporâneo pelas civilizações antigas? Conhecer outras formas de vida em sociedade pode ser encarado como uma oportunidade fundamental para acumular conhecimentos que permitem questionar e avaliar nossa própria forma de vida em sociedade. E por último, mas não menos importante, o significado da erudição - geralmente associada a conhecimentos que não tem uso prático - para a composição do patrimônio cultural e para o refinamento do gosto.
sexta-feira, 8 de maio de 2009
Entrevista para o Jornal da Manhã sobre cotas na UEPG
Nessa sexta forneci ao Alexandre, jornalista do JM, a entrevista abaixo. Certamente ela não vai ser publicada na íntegra, por uma questão de espaço, a matéria não se resume a essa entrevista, mas posto ela abaixo para aproveitar o trabalho.
-------
O sistema de cotas da UEPG foi aprovado para os vestibulares de 2006, então a primeira turma com alunos cotistas começou em 2007, e esses alunos tiveram seu desempenho acadêmico avaliado rigorosamente por uma comissão criada pela universidade, que eu presidi até o final do ano passado.
As cotas significam, basicamente, a criação de vestibulares paralelos. Embora todos façam a mesma prova, cada aluno compete apenas com os alunos de sua própria cota: alunos de escola pública, alunos negros de escola pública e alunos que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. A idéia é garantir que alunos que tenham um desempenho bastante parecido - mas levemente abaixo das notas dos que efetivamente assumiam as vagas - possam também entrar na universidade. Isso porque verificava-se que alunos de escola pública tinham um desempenho muito pouco inferior ao dos alunos de escola particular, mas acabavam ficando totalmente de fora das vagas dos cursos mais concorridos.
Como são três vestibulares concomitantes, é preciso definir quantas serão as vagas para cada uma das cotas. O sistema da UEPG é inovador e escapa de algumas armadilhas de sistemas de cotas de outras universidades. A definição das cotas não é prévia, mas definida conforme a porcentagem de candidatos que se inscrevem em cada uma das cotas. Por exemplo, se 20% dos inscritos para o vestibular de um determinado curso optarem pela cota de negros, a cota de negros será de 20%, mas se forem 10%, a cota será de 10%. Mas há um porém: nós temos pisos, quer dizer, há uma porcentagem mínima de vagas para a cota de escolas públicas e a cota de negros, que vai aumentando ao longo dos anos. O objetivo era garantir que se abrisse um pequeno espaço para esses alunos naqueles cursos muito concorridos, e assim estimular que essa categoria de candidatos se apresentasse cada vez mais para os vestibulares seguintes.
Aconteceram várias mudanças nas regras desse processo desde o primeiro vestibular por cotas, e creio que até agora, quase todas atenuaram ou prejudicaram o sistema. Por exemplo, a exigência para alguém ser aceito como cotista de escola pública era de todo o ensino médio e mais dois anos do ensino fundamental cursados em escola pública, e a exigência caiu para apenas o ensino médio cursado em escola pública. Mas o principal problema foi a introdução de uma nota de corte, ou seja, uma pontuação mínima no vestibular, que corresponde à média de todas as pontuações de todas as cotas. Ora, o princípio das cotas é que todos concorrem com os candidatos de sua própria cota, tornando a competição mais justa, e não que todos concorram contra todos. A nota de corte fez com que muitos candidatos de escola pública e negros fossem eliminados da competição em cursos altamente concorridos, e o número de cotistas negros, por exemplo, caiu pela metade entre 2007 e 2008, e isso se confirmou para as matrículas em 2009. É como se a UEPG tivesse dado um passo à frente, e depois outro passo atrás. Ou seja, aqueles candidatos negros entrariam mesmo se não houvesse cotas, então a cota, principalmente para negros, ficou inútil, inócua. Não sou contra a idéia de um patamar mínimo, só acho interessante que a idéia tenha ressurgido só quando começamos a fazer políticas para incluir mais e melhor os mais pobres e os negros! Se devemos pensar em nota de corte para evitar que alunos com pontuações próximas de zero acabem ingressando em quadros de pouca concorrência, devemos pensar em definir essa nota média dentro de cada uma das cotas, sob pena de anular a política de cotas mesmo ela continuando a existir formalmente. Eu confio que os conselhos da UEPG reverterão isso, porque não se pode aceitar que seja desenvolvida uma política que não gera os resultados para os quais ela foi criada.
Em termos de uma avaliação geral, só posso falar sobre o ano de 2007, que foi quanto entraram os alunos da forma como a política foi inicialmente concebida, e foi o ano que analisamos com estudos quantitativos e qualitativos na Comissão de Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG. Nesse ano, podemos dizer que a política foi um sucesso. O vestibular garantiu que em torno de 15% a mais de alunos cotistas entrassem na UEPG, ou seja, sem a política de cotas eles não teriam entrado. A outra grata surpresa foi quando descobrimos que os cotistas, ao invés de baixarem a média do desempenho acadêmico de seus cursos (o que se poderia pensar pela nota menor que tiveram no vestibular), elevaram a média geral. A média geral das notas dos alunos cotistas de escola pública foi maior que a média dos alunos da cota universal. A média das notas dos cotistas negros, entretanto, foi mais baixa que as duas, mas quando começamos a estudar isso, vimos que a evasão entre esses alunos foi de aproximadamente 25%, o que é muito, comparado com a taxa de evasão nas outras cotas, que fica em torno de 10%. Não podemos dizer quais os motivos dessa evasão, mas desconfiamos de graves motivos de ordem econômica, principalmente. Por outro lado, quando tiramos os desistentes da conta do desempenho médio da cota de negros, descobrimos que esses alunos tiveram a média mais alta em 11 dos 28 cursos em que houve cotistas negros, incluindo Odontologia, Administração e História Licenciatura, por exemplo.
O que a gente conclui? Que o vestibular não avalia tão bem assim os alunos, que ele não capta bem as capacidades intelectuais que serão fundamentais ao longo do curso universitário. O vestibular, especificamente da UEPG, tem um problema muito grave de projeto pedagógico. Talvez porque ele não tenha um projeto pedagógico, mas apenas uma razão técnica, selecionar os que respondem melhor às questões. Mas que questões são essas, qual é a qualidade delas do ponto de vista do desenvolvimento do raciocínio e da criatividade? A sociedade não sabe que não são os departamentos que preparam o vestibular, e vários colegas o criticam, por exemplo os professores do curso de Letras, que no evento CIEL fizeram vários questionamentos à prova de redação, de língua e de literatura. Rediscutir o vestibular de forma ampla e sincera, colocando-o a serviço dos cursos, efetivamente, em vez do contrário, seria um bom começo. Talvez chegássemos à conclusão de que vale a pena abolir o nosso vestibular e aderir à proposta do MEC para usar o ENEM como prova de admissão. Eu, particularmente, acho que isso seria um grande avanço.
Eu concordo plenamente com o José Luiz Teixeira, e digo que essa opinião já foi comunicada verbalmente ao vice-reitor, prof. Luciano Vargas. O aluno que se inscreve por cota de negros faz o vestibular, é aprovado e aí é que vai ser verificado se ele tem aparência de negro mesmo ou não. Se não é verificado isso, ele perde a vaga. Nem sempre tem outra pessoa da cota para substituí-lo, o que diminui a capacidade da política de cotas de incluir mais alunos negros. E muitas vezes esse aluno passaria na cota de escola pública, isso causa muito sofrimento pessoal, e afeta quem participa da comissão, que não é indiferente, mas tem que seguir a resolução. O que pedimos é que a UEPG encontre um meio de aproveitar esse aluno, deslocando-o para a cota de escola pública.
O outro ponto que você pergunta refere-se à nota de corte, que já abordei acima, então o sr. José Luiz Teixeira está certíssimo, espero que o pedido do movimento negro da cidade seja acolhido pelos conselhos superiores da UEPG.
-------
O sistema de cotas da UEPG foi aprovado para os vestibulares de 2006, então a primeira turma com alunos cotistas começou em 2007, e esses alunos tiveram seu desempenho acadêmico avaliado rigorosamente por uma comissão criada pela universidade, que eu presidi até o final do ano passado.
As cotas significam, basicamente, a criação de vestibulares paralelos. Embora todos façam a mesma prova, cada aluno compete apenas com os alunos de sua própria cota: alunos de escola pública, alunos negros de escola pública e alunos que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. A idéia é garantir que alunos que tenham um desempenho bastante parecido - mas levemente abaixo das notas dos que efetivamente assumiam as vagas - possam também entrar na universidade. Isso porque verificava-se que alunos de escola pública tinham um desempenho muito pouco inferior ao dos alunos de escola particular, mas acabavam ficando totalmente de fora das vagas dos cursos mais concorridos.
Como são três vestibulares concomitantes, é preciso definir quantas serão as vagas para cada uma das cotas. O sistema da UEPG é inovador e escapa de algumas armadilhas de sistemas de cotas de outras universidades. A definição das cotas não é prévia, mas definida conforme a porcentagem de candidatos que se inscrevem em cada uma das cotas. Por exemplo, se 20% dos inscritos para o vestibular de um determinado curso optarem pela cota de negros, a cota de negros será de 20%, mas se forem 10%, a cota será de 10%. Mas há um porém: nós temos pisos, quer dizer, há uma porcentagem mínima de vagas para a cota de escolas públicas e a cota de negros, que vai aumentando ao longo dos anos. O objetivo era garantir que se abrisse um pequeno espaço para esses alunos naqueles cursos muito concorridos, e assim estimular que essa categoria de candidatos se apresentasse cada vez mais para os vestibulares seguintes.
Aconteceram várias mudanças nas regras desse processo desde o primeiro vestibular por cotas, e creio que até agora, quase todas atenuaram ou prejudicaram o sistema. Por exemplo, a exigência para alguém ser aceito como cotista de escola pública era de todo o ensino médio e mais dois anos do ensino fundamental cursados em escola pública, e a exigência caiu para apenas o ensino médio cursado em escola pública. Mas o principal problema foi a introdução de uma nota de corte, ou seja, uma pontuação mínima no vestibular, que corresponde à média de todas as pontuações de todas as cotas. Ora, o princípio das cotas é que todos concorrem com os candidatos de sua própria cota, tornando a competição mais justa, e não que todos concorram contra todos. A nota de corte fez com que muitos candidatos de escola pública e negros fossem eliminados da competição em cursos altamente concorridos, e o número de cotistas negros, por exemplo, caiu pela metade entre 2007 e 2008, e isso se confirmou para as matrículas em 2009. É como se a UEPG tivesse dado um passo à frente, e depois outro passo atrás. Ou seja, aqueles candidatos negros entrariam mesmo se não houvesse cotas, então a cota, principalmente para negros, ficou inútil, inócua. Não sou contra a idéia de um patamar mínimo, só acho interessante que a idéia tenha ressurgido só quando começamos a fazer políticas para incluir mais e melhor os mais pobres e os negros! Se devemos pensar em nota de corte para evitar que alunos com pontuações próximas de zero acabem ingressando em quadros de pouca concorrência, devemos pensar em definir essa nota média dentro de cada uma das cotas, sob pena de anular a política de cotas mesmo ela continuando a existir formalmente. Eu confio que os conselhos da UEPG reverterão isso, porque não se pode aceitar que seja desenvolvida uma política que não gera os resultados para os quais ela foi criada.
Em termos de uma avaliação geral, só posso falar sobre o ano de 2007, que foi quanto entraram os alunos da forma como a política foi inicialmente concebida, e foi o ano que analisamos com estudos quantitativos e qualitativos na Comissão de Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG. Nesse ano, podemos dizer que a política foi um sucesso. O vestibular garantiu que em torno de 15% a mais de alunos cotistas entrassem na UEPG, ou seja, sem a política de cotas eles não teriam entrado. A outra grata surpresa foi quando descobrimos que os cotistas, ao invés de baixarem a média do desempenho acadêmico de seus cursos (o que se poderia pensar pela nota menor que tiveram no vestibular), elevaram a média geral. A média geral das notas dos alunos cotistas de escola pública foi maior que a média dos alunos da cota universal. A média das notas dos cotistas negros, entretanto, foi mais baixa que as duas, mas quando começamos a estudar isso, vimos que a evasão entre esses alunos foi de aproximadamente 25%, o que é muito, comparado com a taxa de evasão nas outras cotas, que fica em torno de 10%. Não podemos dizer quais os motivos dessa evasão, mas desconfiamos de graves motivos de ordem econômica, principalmente. Por outro lado, quando tiramos os desistentes da conta do desempenho médio da cota de negros, descobrimos que esses alunos tiveram a média mais alta em 11 dos 28 cursos em que houve cotistas negros, incluindo Odontologia, Administração e História Licenciatura, por exemplo.
O que a gente conclui? Que o vestibular não avalia tão bem assim os alunos, que ele não capta bem as capacidades intelectuais que serão fundamentais ao longo do curso universitário. O vestibular, especificamente da UEPG, tem um problema muito grave de projeto pedagógico. Talvez porque ele não tenha um projeto pedagógico, mas apenas uma razão técnica, selecionar os que respondem melhor às questões. Mas que questões são essas, qual é a qualidade delas do ponto de vista do desenvolvimento do raciocínio e da criatividade? A sociedade não sabe que não são os departamentos que preparam o vestibular, e vários colegas o criticam, por exemplo os professores do curso de Letras, que no evento CIEL fizeram vários questionamentos à prova de redação, de língua e de literatura. Rediscutir o vestibular de forma ampla e sincera, colocando-o a serviço dos cursos, efetivamente, em vez do contrário, seria um bom começo. Talvez chegássemos à conclusão de que vale a pena abolir o nosso vestibular e aderir à proposta do MEC para usar o ENEM como prova de admissão. Eu, particularmente, acho que isso seria um grande avanço.
Eu concordo plenamente com o José Luiz Teixeira, e digo que essa opinião já foi comunicada verbalmente ao vice-reitor, prof. Luciano Vargas. O aluno que se inscreve por cota de negros faz o vestibular, é aprovado e aí é que vai ser verificado se ele tem aparência de negro mesmo ou não. Se não é verificado isso, ele perde a vaga. Nem sempre tem outra pessoa da cota para substituí-lo, o que diminui a capacidade da política de cotas de incluir mais alunos negros. E muitas vezes esse aluno passaria na cota de escola pública, isso causa muito sofrimento pessoal, e afeta quem participa da comissão, que não é indiferente, mas tem que seguir a resolução. O que pedimos é que a UEPG encontre um meio de aproveitar esse aluno, deslocando-o para a cota de escola pública.
O outro ponto que você pergunta refere-se à nota de corte, que já abordei acima, então o sr. José Luiz Teixeira está certíssimo, espero que o pedido do movimento negro da cidade seja acolhido pelos conselhos superiores da UEPG.
terça-feira, 7 de abril de 2009
FOLHA, SÁBADO: VAMOS DETONAR A DILMA? VAAAAMOOOOS!!
Publico abaixo uma carta do Antonio Espinosa, que mostra como a Folha de São Paulo está empenhada, com seu mau jornalismo, em detonar a imagem da ministra Dilma Roussef. Vejam lá:
Caros amigos,
A Folha de São Paulo preparou uma “armadilha” para a Dilma usando uma entrevista que concedi a uma das suas repóteres da sucursal de Brasília. Encaminhei a carta abaixo à redação. E peço que todos os amigos que a façam chegar a quem acharem necessário: redações de jornais, revistas, emissoras de TV e pessoas que talvez possam ser afetadas ou se sintam indignadas pela má fé dos editores do jornal. Como sabem, sou favorável à transparência, por achar que a verdade é sempre o melhor caminho e, no fundo, revolucionária.
À coluna painel do leitor
Seguem cópias para o Ombudsman e para a redação. Vou enviar cópias também a toda a imprensa nacional. Peço que esta carta seja publicada na próxima edição. Segue abaixo:
Prezados senhores,
Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa “Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto”, e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no “Painel do Leitor” (ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base somente em “investigações” telefônicas;
2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o “grupo da Dilma”, mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;
2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que “informação política” é algo completamente distinto de “informação factual”. Jamais eu diria a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente como “vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?”. O que disse à repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro, que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela, comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou “doutorando em Relações Internacionais”, mas em Ciência Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que “a ação chegou a ter data e local definidos”. Se foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da Marinha, do Rio de Janeiro.
Osasco, 5 de abril de 2009
Antonio Roberto Espinosa
Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.
Caros amigos,
A Folha de São Paulo preparou uma “armadilha” para a Dilma usando uma entrevista que concedi a uma das suas repóteres da sucursal de Brasília. Encaminhei a carta abaixo à redação. E peço que todos os amigos que a façam chegar a quem acharem necessário: redações de jornais, revistas, emissoras de TV e pessoas que talvez possam ser afetadas ou se sintam indignadas pela má fé dos editores do jornal. Como sabem, sou favorável à transparência, por achar que a verdade é sempre o melhor caminho e, no fundo, revolucionária.
À coluna painel do leitor
Seguem cópias para o Ombudsman e para a redação. Vou enviar cópias também a toda a imprensa nacional. Peço que esta carta seja publicada na próxima edição. Segue abaixo:
Prezados senhores,
Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa “Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto”, e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no “Painel do Leitor” (ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base somente em “investigações” telefônicas;
2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o “grupo da Dilma”, mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;
2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que “informação política” é algo completamente distinto de “informação factual”. Jamais eu diria a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente como “vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?”. O que disse à repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro, que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela, comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou “doutorando em Relações Internacionais”, mas em Ciência Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que “a ação chegou a ter data e local definidos”. Se foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da Marinha, do Rio de Janeiro.
Osasco, 5 de abril de 2009
Antonio Roberto Espinosa
Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.
quinta-feira, 26 de março de 2009
A DITADURA MILITAR E A UNIVERSIDADE
Reproduzo abaixo o artigo do Leher (Professor da Faculdade de Educação da UFRJ e de seu do Programa de Pós-Graduação, pesquisador do CNPq, coordenador acadêmico do Outro Brasil (Instituto Rosa Luxemburgo) e do Observatório Social da América Latina- Brasil do CLACSO) sobre o tema. É interessante para refletirmos, pois na UEPG o apoio à ditadura foi amplo, a política de administração e de encaminhamento acadêmico foi dócil, e essa é uma história que ainda falta ser escrita. O SNI tinha seus homens nos postos-chave da UEPG, mas creio que eles não deviam ter muito trabalho...
Há 40 anos, ditadura mostrava seus dentes para a Universidade
Roberto Leher
Enquanto setores importantes que apoiaram a ditadura estão promovendo uma revisão histórica que pretende qualificá-la como um período de “pequenos excessos”, uma “ditabranda”, como querem os editores da Folha de São Paulo , as universidades pouco se engajam na recuperação da história da intervenção governamental na vida acadêmica.
A edição do Decreto 477, em 26 de fevereiro de 1969, é um acontecimento que tem de ser retirado do esquecimento. Enquanto setores importantes que apoiaram a ditadura empresarial- militar estão promovendo uma revisão histórica que pretende qualificar a ditadura como um período de “pequenos excessos”, uma “ditabranda”, como querem os editores da Folha de São Paulo , as universidades pouco se engajam na recuperação da história da intervenção governamental na vida acadêmica brasileira do período e na análise de suas consequências para a universidade do presente.
A ingerência do aparato governamental na universidade não foi pontual, episódica, ocorrendo no contexto de um amplo programa de (contra) reforma universitária que, por sua vez, expressava o empenho dos setores dominantes em associá-la ao seu projeto de desenvolvimento em conformidade com o imperialismo. A abrangência e profundidade dos efeitos da ação governamental sobre a universidade não seriam tão relevantes se a coerção tivesse sido unilateral, partindo dos aparatos coercitivos para as instituições. A efetividade da ação ditatorial não seria possível sem a participação de membros da comunidade acadêmica que atuaram em sinergia com os tecnocratas do governo empresarial- militar e com a assessoria da United States Agency for International Development (USAID).
Embora no texto da lei da chamada reforma universitária de 1968 (Lei 5540/68) a preocupação com a segurança não componha a sua nervura central, o Decreto 477/69 comprova que a segurança teve um peso considerável na reforma concreta das universidades. Os estudos históricos comprovam que a USAID não tinha motivações acadêmicas, embora alguns de seus agentes pudessem crer nessa idéia ingênua. Sua preocupação fundamental era com a doutrina da segurança, leia-se, com o anticomunismo, como condição de que o país seguiria na órbita do imperialismo estadunidense.
O uso sistemático da repressão nas universidades, e no conjunto da vida social do período, não foi uma característica exclusiva da ditadura no Brasil. A repressão contra os inimigos internos foi uma prática difundida em quase todo continente como doutrina pela Escola das Américas, School of the Americas (SOA), um dos principais think tanks de formação das lideranças militares envolvidas nas ditaduras e mais especificamente nos aparatos repressivos. Os militares foram qualificados por W.W. Rostow, em seu "As etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não comunista", como o setor mais propenso a liderar o ‘arranque’ dos países atrasados para o desenvolvimento.
Assim, não foi apenas em 1968 que os escrúpulos das frações burguesas locais e dos militares a elas associados foram “jogados às favas”, como disse um ministro do regime. A partir do ato fundador da ditadura empresarial- militar, com a deposição quatro anos antes do presidente constitucionalmente eleito, o cenário de terror estava esboçado. A partir daí a escalada da violência por parte do Estado não parou de crescer até o aprofundamento da crise de hegemonia que levou ao fim do regime, a partir da segunda metade dos anos 1970. Nesse sentido, a edição do AI-5 consolida um marco jurídico ou, nos termos de um dos organizadores do regime, o então ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho, um teorema que organiza a política do Estado a partir do uso sistemático da violência.
Necessitando da universidade para garantir a capacidade técnico-cientí fica do Estado e das empresas, mas não tendo uma hegemonia prévia sobre ela, a ditadura empresarial- militar se viu diante de um dilema: se fortalecesse a universidade como instituição pública e autônoma poderia ter de pagar o preço de robustecer uma instituição que se voltaria política e academicamente contra o regime e o processo de modernização conservadora por ele conduzido; mas, de outra parte, sem apoiar a pesquisa e a formação de quadros técnicos e científicos de maior sofisticação não lograria alcançar os objetivos do padrão de acumulação.
A primeira solução para esse dilema foi o recrudescimento da repressão no ambiente universitário. Dois meses e meio após a edição do AI-5, o staff governamental, assessorado pelos organismos de Washington, editou o novo decreto destinado especificamente à repressão nas instituições de ensino. Se o AI-5 era o teorema, o Decreto 477 era o corolário do AI-5 nas universidades. Seus efeitos foram devastadores para as instituições, a ciência, a cultura e para a vida de centenas de professores e jovens que tiveram suas trajetórias acadêmicas ceifadas. Os efeitos do decreto não se restringiram aos diretamente atingidos.
A doutrina da segurança capilarizou- se por todos os poros da vida acadêmica, sendo assimilado por Estatutos (UnB), por congregações que elaboram listas com os docentes a serem afastados (vide "A Questão da USP", de Florestan Fernandes), passando pelas tenebrosas assessorias de segurança criadas no interior das instituições para identificar os subversivos. Complementarmente, o Estado apertou o cerco contra as universidades ao determinar que somente poderiam realizar concursos os candidatos que tivessem um atestado de antecedentes ideológicos certificado pela famigerada Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS).
É preciso afastar a visão conveniente de que a repressão sobre a vida acadêmica foi apenas um ato de autoritarismo militar, nascido na caserna. Longe disso. Desde antes de 1964, entidades empresariais como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) já manifestavam inquietação com os rumos das universidades, tidas como demasiadamente esquerdistas e pouco abertas à modernização vis-à-vis ao imperialismo. No ano do golpe, um dos teóricos da Aliança para o Progresso, Scheman, foi mais claro ao afirmar que o problema era a influência marxista, considerada perigosa para os valores do mundo livre e que, por isso, teria de ser extirpada das universidades para proteger a juventude e, sobretudo, para impedir que os movimentos de resistência à ditadura empresarial- militar recebessem suporte acadêmico.
Os programas da Aliança para o Progresso e da USAID subsidiaram a edição de livros e a organização de bibliotecas, por meio da United States Information Agency (USIA), objetivando oferecer um contraponto ao marxismo; mas o problema, conforme os analistas do IPES, do governo e do Departamento de Estado, seguia se agravando, mesmo após o massacre “exemplar” da UnB relatado em pormenor pelo físico Roberto Salmeron . Concretamente, o núcleo dirigente da ditadura empresarial- militar apostou que uma forte repressão sobre a universidade seria uma ação eficaz para domesticá-la à ordem estabelecida, tornando-a funcional ao regime. Veremos que essa estratégia é significativamente ajustada (e não abandonada) posteriormente, quando o governo percebe que poderia se valer de meios mais eficazes para subordinar as universidades.
O Decreto 477/69
O decreto dispõe sobre – aparentemente – inofensivas infrações disciplinares praticadas por professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino públicos e privados. Mas ao defini-las, em seu primeiro artigo, o seu caráter coercitivo torna-se muito evidente: comete infração disciplinar os que “aliciam” ou incitam paralisações ou que participem das mesmas. O mesmo vale para os que organizam atos, passeatas, desfiles, comícios ou que deles participem, e para os que conduzam, elaborem, confeccionem, imprimam, guardem ou distribuam “material subversivo de qualquer natureza”. Não satisfeito pela amplitude da caracterização dos atos subversivos, define que comete infração também aqueles que usam as dependências do estabelecimento de ensino para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública. Enfim, tudo era passível de ser classificado como infração disciplinar.
A partir desse largo escopo o decreto estabelece as punições. A assimetria entre os possíveis fatos geradores e o rigor das punições descumpre qualquer princípio jurídico de razoabilidade.
No caso de ser um docente ou funcionário a pena poderia ser de demissão ou dispensa da instituição (a regra-geral) com o agravante de não mais poder ser contratado por outra instituição da mesma natureza por cinco anos. Ou seja, o docente era demitido e não poderia exercer a profissão por longos cinco anos . No caso de ser aluno, seria desligado e impedido de se matricular em qualquer estabelecimento de ensino por três anos. Se fosse bolsista perderia a bolsa e não poderia obter nova bolsa por longos cinco anos, impedindo a defesa de teses, dissertações e a conclusão de pesquisas.
O rito da punição era sumário. Vinte dias, improrrogáveis. E seria conduzido por indicado do dirigente da instituição que, com isso, tornariam-se cúmplices voluntários ou não da repressão. Caso existisse a suspeita de crime caberia ao dirigente da instituição providenciar a instauração de inquérito policial.
A onda de repressão advinda do Decreto 477/69 confirma a sanha repressora que se abateu sobre a universidade. A perseguição ideológica era ao mesmo tempo externa, vinda dos aparatos de segurança da ditadura empresarial- militar, e interna, proveniente das assessorias de segurança, de departamentos, congregações e colaboradores individuais. As listas dos subversivos foram elaboradas às escondidas e também abertamente. O terror foi instalado na vida universitária.
Após o afastamento de 80% dos professores da UnB e em diversas outras universidades, torna-se evidente que essa repressão desenfreada colocaria em risco a universidade funcional ao regime. Como resolver essa difícil equação?
Subordinação estrutural das universidades ao Estado e aos interesses particularistas do capital
O governo empresarial militar resolveu esse problema privando as universidades da autonomia de gestão financeira, em especial de verbas para a pesquisa e, ainda, estrangulando crescentemente os recursos chamados de “balcão” – em que o pesquisador apresenta um projeto independentemente de linhas de pesquisa e o submete a avaliação do mérito científico. A partir do início da década de 1970, o aparato de C&T foi deslocado para o Ministério do Planejamento, então o ministério mais poderoso na condução da modernização conservadora, desidratando as verbas de custeio de pesquisa das universidades e tornando-as reféns dos editais heteronômicos.
Uma vez na casamata governamental os recursos passaram a ser liberados por meio de editais que expressavam justamente as prioridades do regime. Professores universitários próximos ao governo ocuparam postos relevantes nesse sistema, criando a aparência de que a comunidade acadêmica ainda tinha voz ativa na política de ciência e tecnologia. A avaliação do mérito dos projetos, vis-à-vis às prioridades do regime, passa a ser feita inclusive por docentes que, embora não pudessem ser considerados ativos apoiadores, aceitaram o lugar nos conselhos em “nome da ciência”. Com isso, foi sendo consolidada uma heteronomia fundamental. E a intervenção governamental nas universidades pôde se dar não apenas com base na força, mas também por meio dos “neutros” editais externos definidos em conformidade com as demandadas do regime ditatorial.
Os setores acadêmicos que apoiaram essa reforma foram retribuídos pela ditadura, usufruindo bolsas, recursos para seus laboratórios e nomeações para a burocracia do aparato de C&T ampliado pelo regime. É indubitável que nesse áspero período da história brasileira ocorreu uma expansão sem precedentes das atividades de pesquisa articuladas com a pós-graduação e com as linhas de investigação preconizadas pelos órgãos de fomento. De fato, não é possível ignorar a extraordinária taxa da expansão da pós-graduação no período da ditadura empresarial militar (1964-1985): o crescimento foi multiplicado por 26, passando de 41 programas em 1965 para 1063 em 1985. Concretamente, a ditadura viabilizou a extensão da pesquisa no âmbito universitário, mas o custo para a autonomia universitária foi alto.
Como lembra Florestan Fernandes nenhuma tirania conseguiu domar o homem. Exatamente por isso as universidades continuam. A resistência, que de inicio foi localizada, passou a ser um sentimento e uma prática da maioria do corpo docente. Muitos professores e estudantes afastados pelo AI-5 e pelo Decreto 477/69 que não foram executados ou desaparecidos seguiram na batalha das idéias, entre os quais destacou-se o próprio Florestan. Outros muitos se refugiaram em seus laboratórios e salas de aula, mas fizeram desses espaços loci de produção original de conhecimento. Nos subterrâneos da liberdade, a UNE voltou a se rearticular, as Associações de Docentes que posteriormente deram origem a ANDES se forjaram como espaços de lutas e resistências, enfrentando questões universitárias cruciais. As reuniões anuais da SBPC fortaleceram os espaços de debates, permitindo questionamentos de fundo ao modelo econômico-social imposto pela coalizão de classes que sustentou a ditadura. As greves operárias no ABC, destacando-se, antes, a de Osasco em pleno ano de 1968, colocaram a classe operária em movimento.
As contradições no seio da coalizão dominante se agudizaram com a crise dos anos 1970. Com o golpe dos juros imposto pelos EUA, em 1979, pilares da ditadura se romperam, conformando o cenário devastador da Crise da Dívida de 1982. No contexto da crise de hegemonia não foi possível aos trabalhadores, por debilidade teórica e organizativa, se afirmarem como os construtores da nova sociedade. A chamada transição foi urdida pelos teóricos do autoritarismo e pôde ser realizada pelo alto. A anistia geral não foi a reivindicada pelos movimentos sociais e pelas entidades democráticas, mas a desejada pelos que torturaram e mataram e que, com a lei da anistia, criaram um marco jurídico que os protegeu das imprescindíveis (e imprescritíveis) punições. A primeira eleição presidencial pós-ditadura foi indireta e a constituinte não foi exclusiva e plenamente soberana.
Quanto à universidade, os efeitos do Decreto 477/69 não foram encerrados com a sua revogação em 1979. De fato, o Decreto foi parte de um processo mais amplo de (contra) reforma universitária (Lei 5540/68) e de redefinição da política de ciência e tecnologia nos marcos do II Plano Nacional de Desenvolvimento, que deixou feridas abertas até os dias de hoje. A naturalização de que o que é dado a pensar e o que é relevante ou não na vida acadêmica é um assunto extra-universitá rio, da alçada dos órgãos de fomento e dos aparatos de avaliação do governo ou, mais recentemente, de conselhos que congregam empresários, é a mais profunda dessas feridas.
Contudo, o modelo de consentimento forçado das universidades ao Estado e aos interesses particularistas do capital, introduzido pela ditadura, não foi revisto. Ao contrário, ganhou novos contornos com a lei de inovação tecnológica e com as fundações ditas de apoio privadas que criaram enclaves privados mercantis nas universidades públicas. Igualmente, a idéia de que a expansão massiva das matrículas deveria ser privada (e que a própria educação superior é um serviço a ser realizado no mercado) assumiu muito maior escopo após meados dos anos 1990, em particular com a criação da parceria público-privada que caracteriza o Programa Universidade para Todos (ProUni). Embora as políticas sejam encaminhadas majoritariamente por meios não explicitamente coercitivos, a repressão não está descartada. As entidades que denunciam, criticam e resistem a comodificação da educação não estão livres da violência estatal. A suspensão do registro sindical do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior pelo Ministério do Trabalho comprova isso.
Alternativas
As lutas docentes, estudantis e de entidades acadêmicas das três últimas décadas, somadas ao empenho pessoal de importantes frações do corpo universitário, contribuíram fortemente para a constituição de um conjunto de universidades públicas que é singular entre os países capitalistas dependentes. Milhares de dissertações e teses enfrentam questões relevantes para superar os grandes problemas nacionais, outras tantas antecipam problemas e questões de modo original, obrigando a sociedade a repensar seu futuro, como no caso do modelo agrícola baseado no uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos ou no aquecimento global.
A universidade é indispensável também para impedir o revisionismo histórico a serviço de uma saída conservadora da crise. A tese de que a ditadura empresarial- militar foi uma inocente “ditabranda” é parte dessa ofensiva para silenciar a história, legitimando as ações da direita que ontem editou o decreto 477/69.
Após ser triturada pela ditadura empresarial- militar, a universidade do presente é uma instituição em que as tensões entre o público e o privado pulsam agudamente, mas não se tratam de pólos em antípoda equilibrados. O avanço da esfera privado-mercantil no cotidiano das universidades é inequívoco. A reversão desse quadro, objetivando que o público se sobreponha ao privado-mercantil, exige rápidos avanços na desmercantilizaçã o radical da vida social, o que somente é possível pelas lutas anticapitalistas.
A profunda crise capitalista que transtorna o mundo abre novas possibilidades de mudança histórica para além do neokeynesianismo e do neodesenvolvimentis mo, promessas inviáveis no capitalismo de hoje, como nos mostram David Harvey, István Mészáros, entre outros. Os impasses da humanidade atualizam o debate sobre a estratégia para lograr uma sociedade além do capital. No processo histórico de busca de alternativas a universidade tem um papel crucial, como se depreende das lutas sociais que se difundem em todos os recantos do planeta. O pessimismo da razão, a saber, a razão crítica, é uma dimensão indispensável do otimismo da vontade. A universidade é potencialmente subversiva, pois, como lembra Marx, a teoria pode ser uma poderosa força transformadora: converte-se em força material quando penetra nas massas.
Há 40 anos, ditadura mostrava seus dentes para a Universidade
Roberto Leher
Enquanto setores importantes que apoiaram a ditadura estão promovendo uma revisão histórica que pretende qualificá-la como um período de “pequenos excessos”, uma “ditabranda”, como querem os editores da Folha de São Paulo , as universidades pouco se engajam na recuperação da história da intervenção governamental na vida acadêmica.
A edição do Decreto 477, em 26 de fevereiro de 1969, é um acontecimento que tem de ser retirado do esquecimento. Enquanto setores importantes que apoiaram a ditadura empresarial- militar estão promovendo uma revisão histórica que pretende qualificar a ditadura como um período de “pequenos excessos”, uma “ditabranda”, como querem os editores da Folha de São Paulo , as universidades pouco se engajam na recuperação da história da intervenção governamental na vida acadêmica brasileira do período e na análise de suas consequências para a universidade do presente.
A ingerência do aparato governamental na universidade não foi pontual, episódica, ocorrendo no contexto de um amplo programa de (contra) reforma universitária que, por sua vez, expressava o empenho dos setores dominantes em associá-la ao seu projeto de desenvolvimento em conformidade com o imperialismo. A abrangência e profundidade dos efeitos da ação governamental sobre a universidade não seriam tão relevantes se a coerção tivesse sido unilateral, partindo dos aparatos coercitivos para as instituições. A efetividade da ação ditatorial não seria possível sem a participação de membros da comunidade acadêmica que atuaram em sinergia com os tecnocratas do governo empresarial- militar e com a assessoria da United States Agency for International Development (USAID).
Embora no texto da lei da chamada reforma universitária de 1968 (Lei 5540/68) a preocupação com a segurança não componha a sua nervura central, o Decreto 477/69 comprova que a segurança teve um peso considerável na reforma concreta das universidades. Os estudos históricos comprovam que a USAID não tinha motivações acadêmicas, embora alguns de seus agentes pudessem crer nessa idéia ingênua. Sua preocupação fundamental era com a doutrina da segurança, leia-se, com o anticomunismo, como condição de que o país seguiria na órbita do imperialismo estadunidense.
O uso sistemático da repressão nas universidades, e no conjunto da vida social do período, não foi uma característica exclusiva da ditadura no Brasil. A repressão contra os inimigos internos foi uma prática difundida em quase todo continente como doutrina pela Escola das Américas, School of the Americas (SOA), um dos principais think tanks de formação das lideranças militares envolvidas nas ditaduras e mais especificamente nos aparatos repressivos. Os militares foram qualificados por W.W. Rostow, em seu "As etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não comunista", como o setor mais propenso a liderar o ‘arranque’ dos países atrasados para o desenvolvimento.
Assim, não foi apenas em 1968 que os escrúpulos das frações burguesas locais e dos militares a elas associados foram “jogados às favas”, como disse um ministro do regime. A partir do ato fundador da ditadura empresarial- militar, com a deposição quatro anos antes do presidente constitucionalmente eleito, o cenário de terror estava esboçado. A partir daí a escalada da violência por parte do Estado não parou de crescer até o aprofundamento da crise de hegemonia que levou ao fim do regime, a partir da segunda metade dos anos 1970. Nesse sentido, a edição do AI-5 consolida um marco jurídico ou, nos termos de um dos organizadores do regime, o então ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho, um teorema que organiza a política do Estado a partir do uso sistemático da violência.
Necessitando da universidade para garantir a capacidade técnico-cientí fica do Estado e das empresas, mas não tendo uma hegemonia prévia sobre ela, a ditadura empresarial- militar se viu diante de um dilema: se fortalecesse a universidade como instituição pública e autônoma poderia ter de pagar o preço de robustecer uma instituição que se voltaria política e academicamente contra o regime e o processo de modernização conservadora por ele conduzido; mas, de outra parte, sem apoiar a pesquisa e a formação de quadros técnicos e científicos de maior sofisticação não lograria alcançar os objetivos do padrão de acumulação.
A primeira solução para esse dilema foi o recrudescimento da repressão no ambiente universitário. Dois meses e meio após a edição do AI-5, o staff governamental, assessorado pelos organismos de Washington, editou o novo decreto destinado especificamente à repressão nas instituições de ensino. Se o AI-5 era o teorema, o Decreto 477 era o corolário do AI-5 nas universidades. Seus efeitos foram devastadores para as instituições, a ciência, a cultura e para a vida de centenas de professores e jovens que tiveram suas trajetórias acadêmicas ceifadas. Os efeitos do decreto não se restringiram aos diretamente atingidos.
A doutrina da segurança capilarizou- se por todos os poros da vida acadêmica, sendo assimilado por Estatutos (UnB), por congregações que elaboram listas com os docentes a serem afastados (vide "A Questão da USP", de Florestan Fernandes), passando pelas tenebrosas assessorias de segurança criadas no interior das instituições para identificar os subversivos. Complementarmente, o Estado apertou o cerco contra as universidades ao determinar que somente poderiam realizar concursos os candidatos que tivessem um atestado de antecedentes ideológicos certificado pela famigerada Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS).
É preciso afastar a visão conveniente de que a repressão sobre a vida acadêmica foi apenas um ato de autoritarismo militar, nascido na caserna. Longe disso. Desde antes de 1964, entidades empresariais como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) já manifestavam inquietação com os rumos das universidades, tidas como demasiadamente esquerdistas e pouco abertas à modernização vis-à-vis ao imperialismo. No ano do golpe, um dos teóricos da Aliança para o Progresso, Scheman, foi mais claro ao afirmar que o problema era a influência marxista, considerada perigosa para os valores do mundo livre e que, por isso, teria de ser extirpada das universidades para proteger a juventude e, sobretudo, para impedir que os movimentos de resistência à ditadura empresarial- militar recebessem suporte acadêmico.
Os programas da Aliança para o Progresso e da USAID subsidiaram a edição de livros e a organização de bibliotecas, por meio da United States Information Agency (USIA), objetivando oferecer um contraponto ao marxismo; mas o problema, conforme os analistas do IPES, do governo e do Departamento de Estado, seguia se agravando, mesmo após o massacre “exemplar” da UnB relatado em pormenor pelo físico Roberto Salmeron . Concretamente, o núcleo dirigente da ditadura empresarial- militar apostou que uma forte repressão sobre a universidade seria uma ação eficaz para domesticá-la à ordem estabelecida, tornando-a funcional ao regime. Veremos que essa estratégia é significativamente ajustada (e não abandonada) posteriormente, quando o governo percebe que poderia se valer de meios mais eficazes para subordinar as universidades.
O Decreto 477/69
O decreto dispõe sobre – aparentemente – inofensivas infrações disciplinares praticadas por professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino públicos e privados. Mas ao defini-las, em seu primeiro artigo, o seu caráter coercitivo torna-se muito evidente: comete infração disciplinar os que “aliciam” ou incitam paralisações ou que participem das mesmas. O mesmo vale para os que organizam atos, passeatas, desfiles, comícios ou que deles participem, e para os que conduzam, elaborem, confeccionem, imprimam, guardem ou distribuam “material subversivo de qualquer natureza”. Não satisfeito pela amplitude da caracterização dos atos subversivos, define que comete infração também aqueles que usam as dependências do estabelecimento de ensino para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública. Enfim, tudo era passível de ser classificado como infração disciplinar.
A partir desse largo escopo o decreto estabelece as punições. A assimetria entre os possíveis fatos geradores e o rigor das punições descumpre qualquer princípio jurídico de razoabilidade.
No caso de ser um docente ou funcionário a pena poderia ser de demissão ou dispensa da instituição (a regra-geral) com o agravante de não mais poder ser contratado por outra instituição da mesma natureza por cinco anos. Ou seja, o docente era demitido e não poderia exercer a profissão por longos cinco anos . No caso de ser aluno, seria desligado e impedido de se matricular em qualquer estabelecimento de ensino por três anos. Se fosse bolsista perderia a bolsa e não poderia obter nova bolsa por longos cinco anos, impedindo a defesa de teses, dissertações e a conclusão de pesquisas.
O rito da punição era sumário. Vinte dias, improrrogáveis. E seria conduzido por indicado do dirigente da instituição que, com isso, tornariam-se cúmplices voluntários ou não da repressão. Caso existisse a suspeita de crime caberia ao dirigente da instituição providenciar a instauração de inquérito policial.
A onda de repressão advinda do Decreto 477/69 confirma a sanha repressora que se abateu sobre a universidade. A perseguição ideológica era ao mesmo tempo externa, vinda dos aparatos de segurança da ditadura empresarial- militar, e interna, proveniente das assessorias de segurança, de departamentos, congregações e colaboradores individuais. As listas dos subversivos foram elaboradas às escondidas e também abertamente. O terror foi instalado na vida universitária.
Após o afastamento de 80% dos professores da UnB e em diversas outras universidades, torna-se evidente que essa repressão desenfreada colocaria em risco a universidade funcional ao regime. Como resolver essa difícil equação?
Subordinação estrutural das universidades ao Estado e aos interesses particularistas do capital
O governo empresarial militar resolveu esse problema privando as universidades da autonomia de gestão financeira, em especial de verbas para a pesquisa e, ainda, estrangulando crescentemente os recursos chamados de “balcão” – em que o pesquisador apresenta um projeto independentemente de linhas de pesquisa e o submete a avaliação do mérito científico. A partir do início da década de 1970, o aparato de C&T foi deslocado para o Ministério do Planejamento, então o ministério mais poderoso na condução da modernização conservadora, desidratando as verbas de custeio de pesquisa das universidades e tornando-as reféns dos editais heteronômicos.
Uma vez na casamata governamental os recursos passaram a ser liberados por meio de editais que expressavam justamente as prioridades do regime. Professores universitários próximos ao governo ocuparam postos relevantes nesse sistema, criando a aparência de que a comunidade acadêmica ainda tinha voz ativa na política de ciência e tecnologia. A avaliação do mérito dos projetos, vis-à-vis às prioridades do regime, passa a ser feita inclusive por docentes que, embora não pudessem ser considerados ativos apoiadores, aceitaram o lugar nos conselhos em “nome da ciência”. Com isso, foi sendo consolidada uma heteronomia fundamental. E a intervenção governamental nas universidades pôde se dar não apenas com base na força, mas também por meio dos “neutros” editais externos definidos em conformidade com as demandadas do regime ditatorial.
Os setores acadêmicos que apoiaram essa reforma foram retribuídos pela ditadura, usufruindo bolsas, recursos para seus laboratórios e nomeações para a burocracia do aparato de C&T ampliado pelo regime. É indubitável que nesse áspero período da história brasileira ocorreu uma expansão sem precedentes das atividades de pesquisa articuladas com a pós-graduação e com as linhas de investigação preconizadas pelos órgãos de fomento. De fato, não é possível ignorar a extraordinária taxa da expansão da pós-graduação no período da ditadura empresarial militar (1964-1985): o crescimento foi multiplicado por 26, passando de 41 programas em 1965 para 1063 em 1985. Concretamente, a ditadura viabilizou a extensão da pesquisa no âmbito universitário, mas o custo para a autonomia universitária foi alto.
Como lembra Florestan Fernandes nenhuma tirania conseguiu domar o homem. Exatamente por isso as universidades continuam. A resistência, que de inicio foi localizada, passou a ser um sentimento e uma prática da maioria do corpo docente. Muitos professores e estudantes afastados pelo AI-5 e pelo Decreto 477/69 que não foram executados ou desaparecidos seguiram na batalha das idéias, entre os quais destacou-se o próprio Florestan. Outros muitos se refugiaram em seus laboratórios e salas de aula, mas fizeram desses espaços loci de produção original de conhecimento. Nos subterrâneos da liberdade, a UNE voltou a se rearticular, as Associações de Docentes que posteriormente deram origem a ANDES se forjaram como espaços de lutas e resistências, enfrentando questões universitárias cruciais. As reuniões anuais da SBPC fortaleceram os espaços de debates, permitindo questionamentos de fundo ao modelo econômico-social imposto pela coalizão de classes que sustentou a ditadura. As greves operárias no ABC, destacando-se, antes, a de Osasco em pleno ano de 1968, colocaram a classe operária em movimento.
As contradições no seio da coalizão dominante se agudizaram com a crise dos anos 1970. Com o golpe dos juros imposto pelos EUA, em 1979, pilares da ditadura se romperam, conformando o cenário devastador da Crise da Dívida de 1982. No contexto da crise de hegemonia não foi possível aos trabalhadores, por debilidade teórica e organizativa, se afirmarem como os construtores da nova sociedade. A chamada transição foi urdida pelos teóricos do autoritarismo e pôde ser realizada pelo alto. A anistia geral não foi a reivindicada pelos movimentos sociais e pelas entidades democráticas, mas a desejada pelos que torturaram e mataram e que, com a lei da anistia, criaram um marco jurídico que os protegeu das imprescindíveis (e imprescritíveis) punições. A primeira eleição presidencial pós-ditadura foi indireta e a constituinte não foi exclusiva e plenamente soberana.
Quanto à universidade, os efeitos do Decreto 477/69 não foram encerrados com a sua revogação em 1979. De fato, o Decreto foi parte de um processo mais amplo de (contra) reforma universitária (Lei 5540/68) e de redefinição da política de ciência e tecnologia nos marcos do II Plano Nacional de Desenvolvimento, que deixou feridas abertas até os dias de hoje. A naturalização de que o que é dado a pensar e o que é relevante ou não na vida acadêmica é um assunto extra-universitá rio, da alçada dos órgãos de fomento e dos aparatos de avaliação do governo ou, mais recentemente, de conselhos que congregam empresários, é a mais profunda dessas feridas.
Contudo, o modelo de consentimento forçado das universidades ao Estado e aos interesses particularistas do capital, introduzido pela ditadura, não foi revisto. Ao contrário, ganhou novos contornos com a lei de inovação tecnológica e com as fundações ditas de apoio privadas que criaram enclaves privados mercantis nas universidades públicas. Igualmente, a idéia de que a expansão massiva das matrículas deveria ser privada (e que a própria educação superior é um serviço a ser realizado no mercado) assumiu muito maior escopo após meados dos anos 1990, em particular com a criação da parceria público-privada que caracteriza o Programa Universidade para Todos (ProUni). Embora as políticas sejam encaminhadas majoritariamente por meios não explicitamente coercitivos, a repressão não está descartada. As entidades que denunciam, criticam e resistem a comodificação da educação não estão livres da violência estatal. A suspensão do registro sindical do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior pelo Ministério do Trabalho comprova isso.
Alternativas
As lutas docentes, estudantis e de entidades acadêmicas das três últimas décadas, somadas ao empenho pessoal de importantes frações do corpo universitário, contribuíram fortemente para a constituição de um conjunto de universidades públicas que é singular entre os países capitalistas dependentes. Milhares de dissertações e teses enfrentam questões relevantes para superar os grandes problemas nacionais, outras tantas antecipam problemas e questões de modo original, obrigando a sociedade a repensar seu futuro, como no caso do modelo agrícola baseado no uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos ou no aquecimento global.
A universidade é indispensável também para impedir o revisionismo histórico a serviço de uma saída conservadora da crise. A tese de que a ditadura empresarial- militar foi uma inocente “ditabranda” é parte dessa ofensiva para silenciar a história, legitimando as ações da direita que ontem editou o decreto 477/69.
Após ser triturada pela ditadura empresarial- militar, a universidade do presente é uma instituição em que as tensões entre o público e o privado pulsam agudamente, mas não se tratam de pólos em antípoda equilibrados. O avanço da esfera privado-mercantil no cotidiano das universidades é inequívoco. A reversão desse quadro, objetivando que o público se sobreponha ao privado-mercantil, exige rápidos avanços na desmercantilizaçã o radical da vida social, o que somente é possível pelas lutas anticapitalistas.
A profunda crise capitalista que transtorna o mundo abre novas possibilidades de mudança histórica para além do neokeynesianismo e do neodesenvolvimentis mo, promessas inviáveis no capitalismo de hoje, como nos mostram David Harvey, István Mészáros, entre outros. Os impasses da humanidade atualizam o debate sobre a estratégia para lograr uma sociedade além do capital. No processo histórico de busca de alternativas a universidade tem um papel crucial, como se depreende das lutas sociais que se difundem em todos os recantos do planeta. O pessimismo da razão, a saber, a razão crítica, é uma dimensão indispensável do otimismo da vontade. A universidade é potencialmente subversiva, pois, como lembra Marx, a teoria pode ser uma poderosa força transformadora: converte-se em força material quando penetra nas massas.
sexta-feira, 20 de março de 2009
Gratuidade, o tabu da universidade
Todas as instituições sociais têm seus tabus. Há assuntos incômodos, há temas polêmicos, e há aqueles que é melhor não tocar, como casa de marimbondo. Na universidade pública, o tabu é a gratuidade do ensino superior. As interdições dos tabus, por outro lado, não nos permitem pensar melhor sobre a vida nessas instituições, e precisam ser cutucados de vez em quando.
A gratuidade do ensino nas universidades públicas aparece como uma conquista republicana a garantir que todo cidadão que chegar à universidade possa cursá-la sem custos .
Entretanto, isso é mais um exemplo das políticas universalistas de caráter liberal que tratam a todos igualmente, e com isso reproduzem a desigualdade. Nos cursos mais concorridos principalmente, pessoas que estudaram em caras escolas particulares passam a receber educação gratuita, podendo redirecionar o investimento educacional que faziam antes. A gratuidade, nesse perfil, colabora com a concentração da renda e ajuda a tornar a universidade pública um instrumento de ampliação da desigualdade.Por outro lado, o aluno carente é obrigado a desistir do curso superior por não conseguir pagar as passagens de ônibus, o aluguel, ou simplesmente porque a família não pode dispensar a pequena renda que advém de seu trabalho.
Já passou da hora de recolocar o tabu da gratuidade total em discussão, porque alguma coisa que vem de um conceito republicano e democrático pode gerar, sim, na prática de uma sociedade brutalmente desigual, mais desigualdade.
É o momento de colocar em tela a idéia da gratuidade seletiva, ou seja, que o estado seja responsável por educação gratuita apenas para quem não tem condições de pagar, alguém para quem o pagamento de uma mensalidade ou anuidade inviabiliza o seu estudo. Os demais, para quem a gratuidade é apenas uma economia bem vinda, que pode fazer sobrar recursos para algum bem de consumo.
De certa forma, isso já é feito pelo PROUNI, do governo federal, que troca impostos de instituições privadas de ensino superior por vagas gratuitas para alunos que não poderiam custear seus estudos. Talvez seja a hora de ter um PROUNI ao contrário, cobrando nas universidades públicas de quem pode pagar, de acordo com a sua renda. Esse recurso, longe de possibilitar a diminuição do recurso estatal para a universidade - afinal sua excelência é muito cara para ser paga com mensalidades - poderia ser muito bem utilizado criando mecanismos para evitar a evasão e garantir o acesso e permanência de alunos de famílias de poucas posses. Isso sim produziria a democratização que a gratuidade pura e simples não tem sido capaz de garantir
A gratuidade do ensino nas universidades públicas aparece como uma conquista republicana a garantir que todo cidadão que chegar à universidade possa cursá-la sem custos .
Entretanto, isso é mais um exemplo das políticas universalistas de caráter liberal que tratam a todos igualmente, e com isso reproduzem a desigualdade. Nos cursos mais concorridos principalmente, pessoas que estudaram em caras escolas particulares passam a receber educação gratuita, podendo redirecionar o investimento educacional que faziam antes. A gratuidade, nesse perfil, colabora com a concentração da renda e ajuda a tornar a universidade pública um instrumento de ampliação da desigualdade.Por outro lado, o aluno carente é obrigado a desistir do curso superior por não conseguir pagar as passagens de ônibus, o aluguel, ou simplesmente porque a família não pode dispensar a pequena renda que advém de seu trabalho.
Já passou da hora de recolocar o tabu da gratuidade total em discussão, porque alguma coisa que vem de um conceito republicano e democrático pode gerar, sim, na prática de uma sociedade brutalmente desigual, mais desigualdade.
É o momento de colocar em tela a idéia da gratuidade seletiva, ou seja, que o estado seja responsável por educação gratuita apenas para quem não tem condições de pagar, alguém para quem o pagamento de uma mensalidade ou anuidade inviabiliza o seu estudo. Os demais, para quem a gratuidade é apenas uma economia bem vinda, que pode fazer sobrar recursos para algum bem de consumo.
De certa forma, isso já é feito pelo PROUNI, do governo federal, que troca impostos de instituições privadas de ensino superior por vagas gratuitas para alunos que não poderiam custear seus estudos. Talvez seja a hora de ter um PROUNI ao contrário, cobrando nas universidades públicas de quem pode pagar, de acordo com a sua renda. Esse recurso, longe de possibilitar a diminuição do recurso estatal para a universidade - afinal sua excelência é muito cara para ser paga com mensalidades - poderia ser muito bem utilizado criando mecanismos para evitar a evasão e garantir o acesso e permanência de alunos de famílias de poucas posses. Isso sim produziria a democratização que a gratuidade pura e simples não tem sido capaz de garantir
Marcadores:
gratuidade seletiva,
políticas afirmativas,
universidade
domingo, 25 de janeiro de 2009
NAZI - ISRAEL?
Acabou a ofensiva israelense em Gaza, que aproveitou o vácuo de um Bush exaurido e um Obama ainda não empossado. Mais um crime contra a humanidade promovido por Israel, o principal representante dos ideais de limpeza étnica hoje. A vítima incorpora o carrasco.
A criação de condições insuportáveis de vida na Palestina faz parte do projeto de expulsão ou eliminação física de todos os palestinos, com o forte apoio dos lobbys evangélicos fundamentalistas e sionistas nos EUA.
Minha sugestão para quem quer conhecer melhor esse drama humano é o documentário Occupation 101, que pode ser assistido no Google Video (com legendas em português):
http://video.google.com/videosearch?q=occupation+101&emb=0&aq=f#emb=0&aq=f&q=occupation%20101%20legendado&src=3
A criação de condições insuportáveis de vida na Palestina faz parte do projeto de expulsão ou eliminação física de todos os palestinos, com o forte apoio dos lobbys evangélicos fundamentalistas e sionistas nos EUA.
Minha sugestão para quem quer conhecer melhor esse drama humano é o documentário Occupation 101, que pode ser assistido no Google Video (com legendas em português):
http://video.google.com/videosearch?q=occupation+101&emb=0&aq=f#emb=0&aq=f&q=occupation%20101%20legendado&src=3
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Sobre o primeiro ano com cota para negros na UEPG
Alguns dos principais dados:
- a procura dos negros pelo sistema é muito pequena, abaixo do que o piso da cota estabelece.
- a evasão dos cotistas negros é fabulosa, 25,6 % dos matriculados, contra algo como 10% nas outras cotas
- apesar de todas as dificuldades, a média dos cotistas negros (excluindo os desistentes) é muito parecida com a média geral dos cursos em que pelo menos um cotista negro está matriculado até o final do ano: 6,26 para os cotistas negros contra 6,38 da média geral. Desses cursos em que houve matrícula de cotistas negros e pelo menos um deles não desistiu (um total de 28 cursos), em 11 deles a média dos cotistas negros é superior à média geral do curso. Isso prova que o cotista negro é um aluno como qualquer outro, e que a idéia de que a cota para negros iria rebaixar a qualidade dos cursos da universidade mostrou-se apenas uma aposta contrária à promoção da igualdade racial através dessa política afirmativa.
- a procura dos negros pelo sistema é muito pequena, abaixo do que o piso da cota estabelece.
- a evasão dos cotistas negros é fabulosa, 25,6 % dos matriculados, contra algo como 10% nas outras cotas
- apesar de todas as dificuldades, a média dos cotistas negros (excluindo os desistentes) é muito parecida com a média geral dos cursos em que pelo menos um cotista negro está matriculado até o final do ano: 6,26 para os cotistas negros contra 6,38 da média geral. Desses cursos em que houve matrícula de cotistas negros e pelo menos um deles não desistiu (um total de 28 cursos), em 11 deles a média dos cotistas negros é superior à média geral do curso. Isso prova que o cotista negro é um aluno como qualquer outro, e que a idéia de que a cota para negros iria rebaixar a qualidade dos cursos da universidade mostrou-se apenas uma aposta contrária à promoção da igualdade racial através dessa política afirmativa.
Marcadores:
educação,
inclusão educacional,
políticas afirmativas,
uepg
domingo, 18 de janeiro de 2009
Relatório sobre o primeiro ano da política de cotas da UEPG
Publico aqui o link para o relatório sobre a política de cotas da UEPG em 2007. Eu presidi a comissão e mesmo não estando aprovado o mesmo, é público e importante!
http://br.geocities.com/lfcronos/RelatorioAvaliaCotasUEPGref2007.pdf
(Se não funcionar, copie o endereço e cole na barra de endereços do seu navegador. É preciso ter o Acrobat Reader instalado
Nas próximas postagens, discuto alguns dos resultados.
http://br.geocities.com/lfcronos/RelatorioAvaliaCotasUEPGref2007.pdf
(Se não funcionar, copie o endereço e cole na barra de endereços do seu navegador. É preciso ter o Acrobat Reader instalado
Nas próximas postagens, discuto alguns dos resultados.
domingo, 11 de janeiro de 2009
SÓ SE VÊ NA GRÔBO!
A Grôbo vive se gabando do papel social que cumpre quando se trata de suas novelas e mini-séries: elas promoveriam debates sobre preconceito, educação, participação política, etc.
Ora, a Globo sempre faz isso tomando posição, obviamente, e multiplicando sua opinião. Que é partidária, no sentido de não ser consensual.
E isso é até compreensível porque a Globo é uma empresa que não tem a obrigação de representar o todo, a nação, e representa só seu interesse. Só que a massa de tontos que infesta o país acaba achando que a vênus platinada é a própria sociedade civil, ou a opinião pública encarnada.
Fosse assim, a foto da montanha de dinheiro que ela arranjou e publicou nas vesperas do primeiro turno da eleição presidencial de 2006 contra a campanha Lula teria colocado no poder o Alckmin.
O teorema é assim:
- O saudoso Brizola afirma que Globo é prejudicial ao desenvolvimento político do país porque manipula a opinião pública.
- A Globo elege o Collor, derruba o Collor, elege o FHC, abandona FHC, bajula o Lula, não ganha dinheiro para salvar seus investimentos em crise, tenta ajudar a derrubar o Lula ...
- A Globo concorda com a gente que interfere sobre a formação de opinião pública nacional nos seus comerciais. Lógico que não fala de política, mas de comportamento. Mas vale para a política, para o opinião sobre as questões educacionais, etc.
C.Q.D.
A concessão pública que permite que a TV exista gera uma força que não traz uma opinião pública, mas uma opinião partidária. A Globo (como a Record, ou o SBT, ou a Band... só que mais intensa e claramente que essas) é um partido político, cujo presidente e é o neocon Ali Khamel, diretor executivo da empresa.
Lembrei disso porque a Globo tomou posição quanto (e tornou hegemônica) à escolarização regular dos portadores de necessidades especiais, com a novela que tinha a Regina Duarte ("eu tenho medo") representando a mãe adotiva de uma menininha portadora de Síndrome de Down.
Trata-se de impor que se aceite a posição através de elementos afetivos usados na novela, não de promover a discussão sobre o tema, como a Vênus pensa que faz.
Mas isso é o que o professor Chomsky chama de "Natureza antidemocrática do capitalismo" (veja o artigo aqui)
Ora, a Globo sempre faz isso tomando posição, obviamente, e multiplicando sua opinião. Que é partidária, no sentido de não ser consensual.
E isso é até compreensível porque a Globo é uma empresa que não tem a obrigação de representar o todo, a nação, e representa só seu interesse. Só que a massa de tontos que infesta o país acaba achando que a vênus platinada é a própria sociedade civil, ou a opinião pública encarnada.
Fosse assim, a foto da montanha de dinheiro que ela arranjou e publicou nas vesperas do primeiro turno da eleição presidencial de 2006 contra a campanha Lula teria colocado no poder o Alckmin.
O teorema é assim:
- O saudoso Brizola afirma que Globo é prejudicial ao desenvolvimento político do país porque manipula a opinião pública.
- A Globo elege o Collor, derruba o Collor, elege o FHC, abandona FHC, bajula o Lula, não ganha dinheiro para salvar seus investimentos em crise, tenta ajudar a derrubar o Lula ...
- A Globo concorda com a gente que interfere sobre a formação de opinião pública nacional nos seus comerciais. Lógico que não fala de política, mas de comportamento. Mas vale para a política, para o opinião sobre as questões educacionais, etc.
C.Q.D.
A concessão pública que permite que a TV exista gera uma força que não traz uma opinião pública, mas uma opinião partidária. A Globo (como a Record, ou o SBT, ou a Band... só que mais intensa e claramente que essas) é um partido político, cujo presidente e é o neocon Ali Khamel, diretor executivo da empresa.
Lembrei disso porque a Globo tomou posição quanto (e tornou hegemônica) à escolarização regular dos portadores de necessidades especiais, com a novela que tinha a Regina Duarte ("eu tenho medo") representando a mãe adotiva de uma menininha portadora de Síndrome de Down.
Trata-se de impor que se aceite a posição através de elementos afetivos usados na novela, não de promover a discussão sobre o tema, como a Vênus pensa que faz.
Mas isso é o que o professor Chomsky chama de "Natureza antidemocrática do capitalismo" (veja o artigo aqui)
Marcadores:
inclusão educacional,
opinião pública,
Rede Globo
Assinar:
Postagens (Atom)