domingo, 26 de setembro de 2010

Discriminação positiva

A ira é péssima conselheira. Percebe-se isso ao ler o texto “A insensatez da discriminação”, publicada n’O Portal de 26/09/2010. O autor, professor Moacyr de Lima e Silva, ataca todo o preconceito e discriminação com a fúria dos justos, e atira os epítetos de “estupidez”, “imbecilidade” e “burrice” a quem discrimina. Sobram petardos para os fidalgos e para quem fez doutorado na Europa. Nesse tiroteio, as cotas, ou políticas afirmativas, também são atingidas.
O que é discriminar? Do latim discriminare, significa, fazer uma distinção, tratar alguém diferente por causa de alguma característica sua. Toda discriminação seria um abuso, então? Não é bem assim. Vejamos. As filas se formam por um princípio igualitário: a ordem de chegada. Ao darmos a frente a uma mulher grávida ou a um cadeirante, estamos tratando-os diferente. Podemos encontrar centenas de situações em que tratar todos igualmente significa uma injustiça porque, na prática, não somos todos iguais. A igualdade formal está posta (“todos são iguais perante a lei”), mas a igualdade material (que seria “todos são dotados das mesmas condições para realizarem-se como pessoas e cidadãos brasileiros”) não está garantida.
Aristóteles afirma o princípio de que não basta igualdade: é necessário tratar desigualmente os desiguais para obter justiça. Se ficar na fila é um incômodo, ele é maior para quem está em situação de maior fragilidade. Como sociedade, definimos que pessoas que são mais jovens, ou não enfrentam condição que reduza sua condição física podem esperar mais. É desse princípio que nascem as ações afirmativas, conhecidas popularmente por cotas. Corrige-se o fator que causa a desigualdade, compensando os desfavorecidos com um tratamento diferente ou, em outras palavras, discriminatório. A discriminação também pode ser positiva, a favor de quem precisa.
Outro ponto que merece discussão é sobre as causas da escassa presença de negros nas universidades, profissões e posições de prestígio, por exemplo. De fato, temos poucos negros médicos, juízes, deputados, e assim por diante. Se a escravidão é uma mancha que ficou para trás, e se agora somos todos iguais, e a cor da pele não tem a ver com a capacidade de ninguém, por que essa falta de negros nas elites econômicas, sociais, intelectuais, científicas?
Somos todos iguais, é verdade, e nossa inteligência ou evolução espiritual nada tem a ver com a cor da nossa pele. Mas isso, como a igualdade formal, não basta. É só inverter a afirmação “a cor da pele não nos faz diferentes” para “não faz diferença a cor da pele”. No Brasil, a primeira afirmação é verdadeira, e a segunda é falsa. A escravidão acabou (?) mas não seus efeitos, ou seja, uma sociedade montada para manter o negro - e todos os que possam ameaçar a concentração da riqueza - em situação de inferioridade, através do racismo disfarçado e não admitido que nos marca. Não sou eu quem diz, é o sociólogo Florestan Fernandes.
Se, aos poucos, como sociedade, estamos vencendo as barreiras que não permitem aos negros ocupar todos os espaços que merecem, como brasileiros, isso se deve em boa parte a políticas afirmativas. E os negros que entraram nas universidades por cotas mostram que são tão bons quanto os brancos, ou seja, somos, sim, iguais. Só que o vestibular era uma barreira intransponível em muitos cursos para quem não vinha de escola particular, e era isento de um trajetória de vida de discriminação velada ou aberta, que minam a autoestima e o desempenho da criança e do jovem negros. Todo somos iguais, mas se não houvesse cota, os alunos negros não teriam tido a chance de mostrar isso.

3 comentários:

Anônimo disse...

Perdóneme que le conteste en castellano, pues no tengo el teclado apto para el portugués.
Soy de uma familia muy pobre, pero como soy blanca tuve que esforzar-me muito para entrar en una universidad pública en Brasil. Ahora, vivo en el extranjero donde acabo de terminar un mestrado en una lengua distinta a mi lengua materna. Yo pude superar la barrera de la miseria sin ningún tipo de apoyo. Y como yo hay muchísimas chicas blancas que luchan, aunque son pocas las que consiguen.
Y ahora, ahí en Brasil, entre los alumnos de los colegios privados y la cota para los negros ¿Qué posibilidad les queda a los blancos pobres de entrar en una universidad pública?
A modo de conclusión, decir que no estoy en contra de la discriminación positiva, aunque creo que el criterio debería ser otro: la situación socio-económica independientemente del color.
Un saludo cordial

L.F.Cerri disse...

Hola, es un gusto recibir tu comentario, y lo agradezco. La idea de las cotas es facilitar la vida de personas como vos. La cotas para negros no son exclusivas, hay incluso cotas para situación sócio-económica en mi universidad, por ejemplo, y son mucho más largas que las cotas para negros. Entonces, no hay una competición ahí, pero sí una complementaridad de políticas para tornar más amplia la entrada de blancos pobres y negros en la universidad. Abrazo!

José Alexandre disse...

Pelo que tenho visto algumas universidades estão levando em conta também a questão social nos seus sistemas de cotas. Acredito que a discussão tende a amadurecer cada vez mais...

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